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ESTIAGEM NA FLORESTA
Escritor amazonense afirma que, desde quando voltou do exílio, não via uma paisagem tão ruim
"Vi boi morrer na lama", diz Thiago Mello
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Culpa do homem ou castigo do
Jurupari, o grande deus da floresta, a seca que atinge o Amazonas é
a pior de todos os tempos, afirma
Thiago de Mello, 79, amazonense
considerado um dos mais importantes escritores brasileiros. "Como essa, jamais", diz o poeta, que,
depois de exilado durante a ditadura, vive no Estado há 26 anos.
Há seis dias Mello voltou espantado de Barreirinha, a 328 km de
Manaus, onde mora em uma casa
projetada pelo arquiteto Lúcio
Costa, à beira do rio Andirá.
"Quando há seca, fica uma praia
de 500 metros na frente da casa.
Agora, vi a seguinte paisagem:
mais de um quilômetro de praia e,
quando ela termina, mais de 500
metros de lama. O barco não atraca, é uma lama perigosa, cheia de
arraias. Você tem de ir em uma
canoa rasa, chega a um lugar que
nem a canoa adianta e a lama atola até a metade da perna. O dado
mais impressionante é o poço artesiano, atrás da casa, que está
dando menos de um terço de
água. Essa é a realidade hoje em
pelo menos 15 municípios do interior", disse Mello na última sexta-feira em conversa por telefone
com a Folha. Ele estava em Recife
por causa de um compromisso.
A paisagem triste descrita pelo
poeta tem ainda milhares de peixes mortos, entre peixes-boi e
tambaquis. "Nas beiradas dos rios
o boi desce e morre atolado na lama. Isso eu vi com os meus olhos
pela primeira vez desde que voltei", relata. "O rio mais caudaloso
do planeta, neste momento, não
tem água para o peixe, não tem
água potável, não tem água para
passagem de barcos. E lá o povo
depende da água", continuou.
Mello esteve folheando algumas
de suas anotações e percebeu que,
na última década, o tempo vinha
em mudança. "Diminuiu a friagem, o vento da mata."
Dos caboclos ele ouve, e acredita, na versão de que Jurupari quer
castigar os madeireiros, pecuaristas e plantadores de soja que fazem incêndios criminosos.
Dos institutos de pesquisas e de
seus estudos, chegam as informações de que o aquecimento global
pode ser a origem da estiagem no
Amazonas.
"Mas, no caso amazônico, é a
devastação o motivo, porque a
grande causadora de chuva é a
evaporação que vem da copa das
árvores. Elas retêm água, mandam ao espaço, e formam-se as
nuvens, que voltam em forma de
chuva. Na minha opinião, do que
estudei, toda ação provoca uma
reação", afirma Mello.
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