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MOACYR SCLIAR
Não roubarás
Tinha certeza de que,se entrasse numa igreja para roubar, mais cedo ou mais tarde seria castigado
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Boa parte dos fiéis que freqüentam as
igrejas do centro de São Paulo já sabe:
nem durante uma missa pode-se bobear.
Na hora de comungar, a bolsa precisa ir
junto. Ao dar uma oferenda, não se deve
abrir a carteira na frente de todo mundo.
Celulares e relógios não podem ser
ostentados.
São comuns casos de fiéis que são roubados durante as celebrações. Maria Emília Souza, 48, não desgruda dos seus pertences. "Graças a Deus nunca fui roubada, mas já vi ladrõezinhos furtando carteiras e celulares sem os donos nem perceberem", diz. "A gente não tem sossego
nem para falar com Deus."
"Falta juízo aos ladrões", afirma padre
Pascoali Priolo, da igreja São Januário,
na Mooca (zona leste). A igreja de Priolo
já foi furtada duas vezes neste ano. Em
março, os ladrões levaram cálices, depredaram o sacrário e roubaram até o pára-raios. "Como era de cobre, levaram para
vender ao ferro-velho."
Na semana passada, a igreja da Consolação, no centro, foi mais uma que teve os
fios de seu pára-raios furtados.
Cotidiano, 16 de outubro
Verdade seja dita, ele hesitou
muito. Porque, apesar de já
ter assaltado gente em bares,
em restaurantes, nas ruas, em carros, nunca o fizera numa igreja. Um
amigo, que em outra época fora seu
cúmplice, tentava inutilmente convencê-lo: é mole, cara, o pessoal que
vai a igreja não reage, não é de briga,
não precisa nem usar arma. A ele,
aquilo parecia um sacrilégio, uma
tentação.
Não era religioso, mas
acreditava em Deus e na justiça divina. Tinha certeza de que, se entrasse
numa igreja para roubar, mais cedo
ou mais tarde seria castigado.
Mas então teve um sonho, um sonho que foi decisivo. Sonhou que estava num lugar distante, desolado,
perdido entre dunas de areia: um
deserto. Sem saber o que fazer, olhava ao redor, desorientado, quando
de repente avistou um homem. Uma
figura exótica, sinistra mesmo: vestia uma espécie de fraque, usava cavanhaque e exibia um sorriso malicioso. Você está indeciso, disse o estranho, você não sabe se assalta uma igreja ou não, mas você está só perdendo tempo: é a coisa mais fácil do mundo.
Acordou resolvido: naquele mesmo dia faria o assalto. E, para a estréia, escolheu uma pequena e modesta igreja de bairro.
O que se revelou uma verdadeira
decepção. Quando lá chegou, estava
começando a chover e, talvez por
causa disso, o lugar estava deserto.
Nenhum fiel ali, nem homem, nem
mulher, ninguém para ser assaltado.
E na igreja propriamente dita, nada
que aparentemente valesse a pena
carregar; apenas algumas modestas
imagens de santos. Foi até o ofertório, sacudiu-o: nada, estava vazio.
Uma violenta trovoada fez estremecer o templo, o que lhe deu uma
idéia: o pára-raios. Sempre podia
render alguma coisa, afinal era de
cobre, e ele conhecia um ferro-velho
que pagaria uma boa grana.
Sem muito esforço, retirou o pára-raios, uma haste com o seu fio, e foi
embora sob o temporal. Ao atravessar o descampado, aconteceu aquilo
que sempre pode ocorrer com quem
carrega pára-raios: foi atingido por
uma descarga elétrica fulminante. A
última coisa que viu foi o homem
que aparecera em seu sonho, mostrando os caninos num sorriso irônico. E estava bem abrigado da chuva. Porque, em ocasiões de temporal, o diabo não veste Prada.
O diabo veste uma elegante capa preta. Ótima para quem tem de seguir pecadores sob a tormenta.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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