|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
Propriedade e invasores de imóveis em conflito
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Há angustiante questão social a
ser discutida, em face da política
para invasões de imóveis, a ser
adotada no novo governo, e do
Código Civil, cuja vigência também começa em janeiro do ano
que vem. As disposições relativas
à posse e aos direitos dos posseiros, interpretadas com o Estatuto
da Cidade, darão margem a
questões e conflitos.
A Constituição diz que a propriedade é inviolável (artigo 5º) e
assegura sua defesa, mas afirma
sua função social e prevê a desapropriação como meio justo para
o Poder Público retirá-la de seu
dono. Por seu lado, a posse ganhou contornos novos no Código
de 2002, embora continue adquirida desde o momento em que se
torna possível do possuidor seu
exercício em nome próprio de
qualquer dos poderes inerentes à
propriedade.
A posse é uma espécie de "prima
pobre" da propriedade, na conceituação clássica. Vem sendo
perturbada pelas invasões, mas
também enriquecida pela função
social: o imóvel sem uso, ou com
uso impróprio, na avaliação do
Poder Público contraria o interesse coletivo.
As restrições antigas (desapropriação por necessidade ou utilidade pública e requisição em caso
de perigo público iminente) foram aumentadas. Exemplo: o novo artigo 1.228, em seu parágrafo
4º, dispõe que o proprietário pode
ser privado do imóvel se este tiver
área extensa (embora não determinada na lei) e se for ocupado
por número considerável de pessoas (também sem dizer o que é
um "número considerável"). Ocupação por cinco anos, pelo menos
e de boa fé.
Se os posseiros realizarem, em
conjunto ou separadamente,
obras e serviços no imóvel, que o
juiz considerar de interesse social
e econômico relevante, o proprietário será indenizado. O pagamento da indenização autorizará
o registro, no serviço imobiliário,
em nome dos posseiros.
Os juristas têm chamado esse
procedimento de desapropriação
judicial. O perigo para o proprietário surgirá se os invasores não
tiverem como saldar o preço. Nesse caso, a tendência natural seria
que fossem expulsos, mas se sabe
que a magistratura tem resistido
à tendência quando o problema
social se consolidou antes das providências cabíveis ao proprietário
para a reintegração. É mais um
passo evolutivo do direito.
O artigo 10 do Estatuto da Cidade permite que áreas urbanas que
tenham mais de 250 m2 (sem especificar exatamente quantos),
ocupadas por população de baixa
renda (sem definir qual é o conceito de baixa renda) são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente.
O prazo ininterrupto de cinco
anos de uso como moradia e sem
oposição permite o usucapião coletivo onde não for possível identificar individualmente os terrenos ocupados por cada possuidor.
O mesmo artigo 10 restringe a forma coletiva apenas a posseiros
que não forem proprietários de
outro imóvel urbano ou rural.
O artigo 11 do Estatuto, pelo
qual, durante o curso da ação de
usucapião especial urbano, ficarão sobrestadas quaisquer outras
ações, petitórias ou possessórias,
propostas relativamente ao imóvel é inconstitucional. Ofende
portanto o direito de defesa do
proprietário ou de alguém que
possa afirmar direito contrário ao
dos invasores.
Nesses conflitos coletivos, a solução nunca será fácil. Sempre
haverá choro e ranger de dentes.
De parte a parte, amargando os
conflitos que se pode prever.
Texto Anterior: Mãe biológica diz esperar filho Próximo Texto: Trânsito: Queda de ponte faz CET bloquear av. da zona leste Índice
|