São Paulo, sábado, 23 de novembro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Propriedade e invasores de imóveis em conflito

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Há angustiante questão social a ser discutida, em face da política para invasões de imóveis, a ser adotada no novo governo, e do Código Civil, cuja vigência também começa em janeiro do ano que vem. As disposições relativas à posse e aos direitos dos posseiros, interpretadas com o Estatuto da Cidade, darão margem a questões e conflitos.
A Constituição diz que a propriedade é inviolável (artigo 5º) e assegura sua defesa, mas afirma sua função social e prevê a desapropriação como meio justo para o Poder Público retirá-la de seu dono. Por seu lado, a posse ganhou contornos novos no Código de 2002, embora continue adquirida desde o momento em que se torna possível do possuidor seu exercício em nome próprio de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
A posse é uma espécie de "prima pobre" da propriedade, na conceituação clássica. Vem sendo perturbada pelas invasões, mas também enriquecida pela função social: o imóvel sem uso, ou com uso impróprio, na avaliação do Poder Público contraria o interesse coletivo.
As restrições antigas (desapropriação por necessidade ou utilidade pública e requisição em caso de perigo público iminente) foram aumentadas. Exemplo: o novo artigo 1.228, em seu parágrafo 4º, dispõe que o proprietário pode ser privado do imóvel se este tiver área extensa (embora não determinada na lei) e se for ocupado por número considerável de pessoas (também sem dizer o que é um "número considerável"). Ocupação por cinco anos, pelo menos e de boa fé.
Se os posseiros realizarem, em conjunto ou separadamente, obras e serviços no imóvel, que o juiz considerar de interesse social e econômico relevante, o proprietário será indenizado. O pagamento da indenização autorizará o registro, no serviço imobiliário, em nome dos posseiros.
Os juristas têm chamado esse procedimento de desapropriação judicial. O perigo para o proprietário surgirá se os invasores não tiverem como saldar o preço. Nesse caso, a tendência natural seria que fossem expulsos, mas se sabe que a magistratura tem resistido à tendência quando o problema social se consolidou antes das providências cabíveis ao proprietário para a reintegração. É mais um passo evolutivo do direito.
O artigo 10 do Estatuto da Cidade permite que áreas urbanas que tenham mais de 250 m2 (sem especificar exatamente quantos), ocupadas por população de baixa renda (sem definir qual é o conceito de baixa renda) são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente.
O prazo ininterrupto de cinco anos de uso como moradia e sem oposição permite o usucapião coletivo onde não for possível identificar individualmente os terrenos ocupados por cada possuidor. O mesmo artigo 10 restringe a forma coletiva apenas a posseiros que não forem proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
O artigo 11 do Estatuto, pelo qual, durante o curso da ação de usucapião especial urbano, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, propostas relativamente ao imóvel é inconstitucional. Ofende portanto o direito de defesa do proprietário ou de alguém que possa afirmar direito contrário ao dos invasores.
Nesses conflitos coletivos, a solução nunca será fácil. Sempre haverá choro e ranger de dentes. De parte a parte, amargando os conflitos que se pode prever.


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