São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2008

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DANUZA LEÃO

Mudanças à vista



Vou tentar, aos poucos. Para começar, tirando do armário as coisas que com certeza não vou usar mais

O MUNDO está mudando depressa, ultimamente, e vai mudar mais ainda.
Quando vejo pela TV aqueles milhares de carros nos pátios das montadoras, feitos para que as pessoas troquem o seu a cada ano, e estas à beira da falência, fico pensando. A quantidade de carros que já existe no mundo não só contribui para a poluição, como nas grandes cidades o trânsito é caótico. Tanto que, em algumas, como Londres, já estão cobrando pedágio para poder circular no centro, e em outras é proibido circular em certas áreas. E pra que trocar de carro todo ano? De cinco em cinco já não dava pra ser feliz? E será que o mundo precisa de mais carros do que já tem? Para evitar o desemprego, as montadoras poderiam colocar seus operários recuperando carros antigos; alguém já viu um cemitério de automóveis nos EUA? Carros que seriam o sonho de qualquer pessoa normal estão lá, jogados, porque já têm alguns poucos anos de uso. E os bancos, como é que ganham tanto dinheiro? Nunca vou conseguir entender.
Estava olhando outro dia meu armário e vi quantas bolsas eu tenho. São muitas. E eu por acaso preciso de todas elas? Claro que não. E as roupas? A rigor, durante o dia ou estou de jogging ou de jeans e camiseta, e saio tão pouco à noite que preciso de pouquíssima coisa para vestir.
Posso dar a metade do que tenho e ficar muito feliz com a metade que ficou. É claro que existe um ranço dentro de mim que fica entre o "dou-não-dou, posso me arrepender, será?" e tenho medo de um dia chorar lágrimas de sangue por uma blusinha preta que dei num momento de loucura.
E é aí que entra a mudança; tenho que mudar, temos todos que mudar com o mundo. Não há razão para eu ter uma mesa de sala de jantar com seis cadeiras se tenho uma diarista que vem três vezes por semana e vai embora às 4h da tarde; eu não sei cozinhar, não pretendo aprender, nem convidar ninguém para jantar. Qual o sentido de ter essa mesa? Não seria melhor mudar para um quarto-e-sala? Estaria sem dúvida mais de acordo com a minha realidade.
Vou tentar, aos poucos. Para começar, tirando do armário as coisas que definitivamente não vou usar mais. E é pra já. Daqui a pouco eu acabo a coluna.

 

Vinte minutos se passaram, e nesse tempo, fiz uma limpeza. Não uma completíssima, mas bem razoável. É muito fácil dar conselhos aos outros, quando chega nossa hora, é tudo difícil. Ainda tenho coisas sobrando, mas meus sapatos ficam. Sou louca por eles e mesmo que não use nunca mais na vida, quero saber que eles estão ali, bem pertinho, ao menos para eu olhar. Quem vai ficar feliz é minha diarista. Vai ficar com tudo, mas com uma condição: que ela leve tudo amanhã mesmo, antes que eu me arrependa.
Muita coisa já foi: outro dia chamei duas amigas e botei em cima da mesa -para isso, pelo menos, ela (a mesa) serviu- todos os copos e louça que eu tinha sobrando e que não usaria nunca mais; até porque, se enlouquecer e resolver dar um jantar, o bufê traz tudo, da colherzinha de café à travessa, e quem mora só não precisa de mais do que seis copos, seis pratos, enfim, seis de cada coisa, e pronto.
Ainda estou longe da grande mudança: passar pelas lojas e não ter vontade de comprar rigorosamente nada. Mas estou perto: não agüento mais ouvir falar em moda -logo eu, que adorava-, e se me convidam para um desfile, eu quase morro. Aliás, meu problema não é só com a moda, é com tudo o que está na moda e que todo mundo segue, sejam restaurantes, cidades, carros, bebidas, comidas etc.
Estou precisando ter coragem para mudar para o quarto-e-sala, mas chego lá. Até porque adoro uma mudança.

danuza.leao@uol.com.br


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