São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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Crime de ex-prefeito silencia morador de Areias

Professora morreu e prefeito foi baleado em cidade de 4.000 moradores que não tinha homicídio desde 2004

Joel Silva/Folha Imagem
Praça nova em Areias, onde professora foi morta por ex-prefeito e atual administrador, baleado

DANIEL BERGAMASCO
JOEL SILVA
ENVIADOS ESPECIAIS A AREIAS (SP)

A cena foi melhor vista dos bancos do asilo São Vicente de Paula, vizinho à praça central de Areias (SP), onde o ex-prefeito João Patinho (PV), ex-policial federal, é acusado de matar a professora Cristiane Guimarães, tentar matar seu sucessor, José Antonio Fernandes (PSDB), e ainda atingir um eletricista de raspão.
Funcionários e internos do asilo viam o tempo passar (para um deles, lá se foram 104 anos), entre as roseiras do local, quando ouviram os pipocos. Contam que Patinho, que teve prisão decretada e está foragido, "saiu queimando pneu" em seu Fiat Idea, enquanto a professora já estava sangrando pelo tiro na cabeça, o prefeito atingido na perna, e funcionários da obra ou se escondiam ou fugiam -um pedreiro arrebentou no peito uma tábua do tapume. A PM conta que perseguiu o Idea, mas não conseguiu alcançá-lo.
Eram 9h30 de quinta. Na noite de sexta, novo capítulo: segundo familiares do acusado, alguém invadiu sua casa, ateou fogo em uma máquina de lavar e uma cama velha do quintal do ex-prefeito. Falam em vingança e dizem que a casa só não pegou fogo porque chegaram ali rapidamente.
Desde esses acontecimentos, a cidade, de 4.000 habitantes, que não registrava homicídio desde 2004, não fala noutra coisa, seria de se imaginar. Mas não é assim. Ali, onde todos se conhecem e muitos são parentes ou amigos de um dos lados (como os filhos dos prefeitos, que já passaram Réveillon juntos) ou funcionários da prefeitura, o anonimato dos testemunhos prevalece e até os comentários de botequim são feitos com zelo. "Prefiro ser um covarde vivo do que um valente morto", diz comerciante, logo explicando: "Essa briga política é antiga e divide a cidade. Agora, está todo mundo assustado. Mas posso te dizer que foi uma panela de pressão que explodiu, de uma forma trágica, que ninguém esperava."
No final de semana, o jornal "Classe Líder", de Cruzeiro, publicou declarações atribuídas a Patinho: "Eu era perseguido diariamente. Só contra a minha pessoa, o atual prefeito já tinha impetrado mais de 80 representações na Justiça. Perdi a cabeça. Vou esperar o prazo do flagrante, de 24 horas, e me apresentar a Justiça".
Parentes e amigos de ambos os lados confirmam a rivalidade antiga -Fernandes já havia governado a cidade antes, entre 1997 e 2004, e o candidato apoiado por ele perdeu a eleição para Patinho.
A primeira-dama Terezinha de Jesus Fernandes diz que a rixa era antiga e que Patinho havia ameaçado o prefeito e a professora de morte mais de uma vez. "Uma vez, ele foi dar um soco no meu marido, que é muito maior e derrubou ele no chão", conta.
Cristiane, a professora, teve cargo na gestão do PV e hoje era mais próxima do PSDB. Havia discutido com Patinho depois que ele deu carona ao filho dela e a criticou para o garoto, o que a levou a tirar satisfações, relata Ricardo Araújo, agora viúvo.
Parentes de Patinho, que também pediram anonimato, dizem que ela atirou pedras na casa do ex-prefeito naquela quinta-feira. E mostram as marcas de pedradas em um portão de ferro da casa.
Os tiros foram dados momentos depois, quando o atual prefeito mostrava a ela a praça, que seria inaugurada no próximo sábado, com jardinagem, chafariz azulejado e sombra sobre os bancos.
O atual prefeito está internado na UTI de Cruzeiro, cidade próxima. O tiro, que acertou sua perna, causou rompimento de artéria. Cinco policiais fazem plantão na porta da UTI e a família diz ter recebido novas ameaças. Amigos de Patinho também dizem que estão sendo ameaçados.
Por via das dúvidas, no boteco que fica a metros do local do crime, o único assunto do domingo era o jogo entre o São Paulo e o Botafogo.


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