São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Um conto de duas (e mais) cidades

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

São Paulo e Rio de Janeiro comemoram suas datas oficiais de fundação com pouco mais de um mês de intervalo, mas nasceram e se desenvolveram em circunstâncias políticas e jurídicas bem diversas. A fundação do Rio, em 1º de março de 1565, foi ato oficial, com data e autores conhecidos. O 25 de janeiro de 1554 e a fundação de São Paulo por Anchieta ou Nóbrega são postos em dúvida e contestados por entidades como a Academia Paulista de História. Esta afirma que Martin Afonso foi o fundador, em 1532, e que, ao ser rezada missa no dia de amanhã há 450 anos, a vila de Piratininga já existia e era habitada por João Ramalho e outros.
As diferenças são muitas. Desde 1763, o Rio sediou o governo geral da colônia. Em 1808, vindo a corte portuguesa para o Brasil, foi capital do reino, passando a capital do império brasileiro com a independência. Foi nosso grande centro político e da Justiça antes da fundação de Brasília, em 1960. São Paulo teve progresso lento até 1890, mas foi berço de dois eventos fundamentais para a moldagem de nosso direito: a proclamação da independência política, em 1822, e a abertura da primeira escola de direito do Brasil, em 1827.
Editada a Constituição imperial de 1824, o Rio de Janeiro passou a sediar o Poder Judicial (em maiúsculas), com seu tribunal da Relação (depois Tribunal de Justiça) e o Supremo Tribunal de Justiça (depois Supremo Tribunal Federal). A contar da segunda metade do século 19, a agricultura cafeeira paulista teve crescimento extraordinário. A cidade enriqueceu, mas sua organização jurídico-administrativa demorou para ser montada, só aprovando seu primeiro Código de Posturas Municipais em 1873. A estrutura jurídica do Rio, para se adaptar à sua maior densidade demográfica e à condição de capital da colônia e do Brasil, foi muito anterior e mais complexa, antes e depois de proclamada a República, em 1889.
Apesar da diversidade de caminhos, os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro talvez tenham produzido juntas metade do movimento processual brasileiro. Num país com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, mais de 8.000 quilômetros de costa, é curioso que a maioria dos juízes, promotores e advogados (nos setores público e privado) do Brasil se situa em dois centros urbanos a apenas 400 quilômetros um do outro.
Editada a Constituição de 1891, o destino das duas cidades inverteu-se lentamente. O desenvolvimento industrial em São Paulo atraiu novas populações, a riqueza se concentrou. A cidade que amanhã comemora 450 anos partiu de começo modestíssimo para ser uma das maiores metrópoles do mundo e divide com o Rio o grande fluxo do pensamento jurídico nacional. Será injusto esquecer que, desde o século 19, outros centros de desenvolvimento jurídico se criaram em pólos distantes: Fortaleza, Recife/Olinda e Salvador, com cultores de projeção nacional. Na segunda metade do século passado, desenvolveu-se o poderoso influxo dos Estados do Sul, em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. No centro, Belo Horizonte -e o destaque para os pensadores mineiros é uma das marcas do nosso direito. Brasília dinamizou o Centro-Oeste, como se exemplifica com Campo Grande (MS). A história jurídica do Brasil reclama um estudo sobre a criação e o desenvolvimento desses núcleos tão apartados da doutrina e da jurisprudência.


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