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LETRAS JURÍDICAS
Um conto de duas (e mais) cidades
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
São Paulo e Rio de Janeiro comemoram suas datas
oficiais de fundação com pouco
mais de um mês de intervalo, mas
nasceram e se desenvolveram em
circunstâncias políticas e jurídicas bem diversas. A fundação do
Rio, em 1º de março de 1565, foi
ato oficial, com data e autores conhecidos. O 25 de janeiro de 1554
e a fundação de São Paulo por
Anchieta ou Nóbrega são postos
em dúvida e contestados por entidades como a Academia Paulista
de História. Esta afirma que Martin Afonso foi o fundador, em
1532, e que, ao ser rezada missa
no dia de amanhã há 450 anos, a
vila de Piratininga já existia e era
habitada por João Ramalho e
outros.
As diferenças são muitas. Desde
1763, o Rio sediou o governo geral
da colônia. Em 1808, vindo a corte
portuguesa para o Brasil, foi capital do reino, passando a capital
do império brasileiro com a independência. Foi nosso grande centro político e da Justiça antes da
fundação de Brasília, em 1960.
São Paulo teve progresso lento até
1890, mas foi berço de dois eventos fundamentais para a moldagem de nosso direito: a proclamação da independência política,
em 1822, e a abertura da primeira
escola de direito do Brasil,
em 1827.
Editada a Constituição imperial de 1824, o Rio de Janeiro passou a sediar o Poder Judicial (em
maiúsculas), com seu tribunal da
Relação (depois Tribunal de Justiça) e o Supremo Tribunal de
Justiça (depois Supremo Tribunal
Federal). A contar da segunda
metade do século 19, a agricultura
cafeeira paulista teve crescimento
extraordinário. A cidade enriqueceu, mas sua organização jurídico-administrativa demorou para
ser montada, só aprovando seu
primeiro Código de Posturas Municipais em 1873. A estrutura jurídica do Rio, para se adaptar à sua
maior densidade demográfica e à
condição de capital da colônia e
do Brasil, foi muito anterior e
mais complexa, antes e depois de
proclamada a República,
em 1889.
Apesar da diversidade de caminhos, os Estados de São Paulo e
do Rio de Janeiro talvez tenham
produzido juntas metade do movimento processual brasileiro.
Num país com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados,
mais de 8.000 quilômetros de costa, é curioso que a maioria dos
juízes, promotores e advogados
(nos setores público e privado) do
Brasil se situa em dois centros urbanos a apenas 400 quilômetros
um do outro.
Editada a Constituição de 1891,
o destino das duas cidades inverteu-se lentamente. O desenvolvimento industrial em São Paulo
atraiu novas populações, a riqueza se concentrou. A cidade que
amanhã comemora 450 anos partiu de começo modestíssimo para
ser uma das maiores metrópoles
do mundo e divide com o Rio o
grande fluxo do pensamento jurídico nacional. Será injusto esquecer que, desde o século 19, outros
centros de desenvolvimento jurídico se criaram em pólos distantes: Fortaleza, Recife/Olinda e
Salvador, com cultores de projeção nacional. Na segunda metade
do século passado, desenvolveu-se
o poderoso influxo dos Estados do
Sul, em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. No centro, Belo Horizonte -e o destaque para os
pensadores mineiros é uma das
marcas do nosso direito. Brasília
dinamizou o Centro-Oeste, como
se exemplifica com Campo Grande (MS). A história jurídica do
Brasil reclama um estudo sobre a
criação e o desenvolvimento desses núcleos tão apartados da doutrina e da jurisprudência.
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