São Paulo, terça, 24 de fevereiro de 1998

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OPINIÃO
Recursos para a saúde

JOSÉ KNOPLICH

O tema da municipalização da saúde foi apresentado aos leitores da Folha pelo economista Luís Nassif, em vários artigos, durante o mês de janeiro de 98, ano em que entrará em vigor o Plano de Atendimento Básico do SUS.
O PAB é a parte menor do atendimento à saúde da população, pois realiza ações preventivas, e não o tratamento das doenças.
A municipalização, que está na Constituição de 88, significa a transferência de recursos federais, somados aos estaduais e aos do município, que deveriam pagar o tratamento e a prevenção.
É sabido que o governo federal não envia esses recursos com regularidade, além de eles serem muito pequenos. Por isso, das 5.000 cidades brasileiras, nem 2% aceitaram fazer a municipalização plena: é um risco muito grande.
A municipalização, descentralizadora, é teoricamente boa em si. Deveria ser realizada a um custo real de R$ 93 por habitante/ano em 1997. Esse total se mostrou insuficiente. Em 1998, o governo o separou em duas partes; R$ 10 por habitante/ano para o município, que deve fazer a prevenção, e R$ 83 para o governo do Estado, que deverá cuidar das doenças.
O PAB é a municipalização da saúde preventiva, feita por decreto. Mal comparando, é como a lei da doação compulsória do transplante para os prefeitos.
Segundo dados do SUS, 88% dos mais de 5.000 municípios do Brasil não gastam nem essas importâncias ínfimas em prevenção, pois são, na maioria, cidades com menos de 30 mil habitantes.
Esse PAB, que ia ser obrigatório, passará a ser aplicado em 1.376 (25%) do total dos municípios brasileiros de médio e grande porte. Por exemplo, a cidade de Anagé, na Bahia, recebeu R$ 4.000 do SUS em 1997, para fazer prevenção. Ela passará a receber, pelos seus 44 mil habitantes, a importância de R$ 441 mil em 1998.
O que o prefeito deve dar em troca? Diz a proposta que serão 51 procedimentos simples, como vacinação, consultas preventivas e ações odontológicas.
Custa-nos crer que quantias tão pequenas tenham preços melhores que os obtidos pelo governo. Se Anagé resolver fazer prevenção de câncer do útero, deverá ter um patologista, pago com o dinheiro do PAB. E se forem descobertos casos de câncer? A radioterapia será feita pelo SUS onde? Na própria cidade, que não tem hospitais, ou em Salvador? De todo modo, o prefeito passa a ser responsável pela solução do caso, sem receber parte da verba dos R$ 83 restantes.
O PAB é uma iniciativa ótima, mas deveria ser uma contribuição a mais, e não diminuir os atuais parcos recursos da saúde.


José Knoplich, 62, médico reumatologista, é doutor em saúde pública pela USP. Foi secretário-executivo do Plano de Atendimento à Saúde e presidiu a Associação Paulista de Medicina.



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