|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
O pássaro emudecido
RUBEM ALVES
COLUNISTA DA FOLHA
M
UITOS DOS meus leitores não gostaram
do meu último artigo. Alguns discordaram mansamente. Outros, com ira. Disseram que eu escrevia movido
por preconceitos protestantes.
Nada mais distante da verdade.
Rompi com o protestantismo
oficial há mais de 30 anos.
No dia 15 de setembro de
1971, dia do meu aniversário,
escrevi minha carta demissória, por duas razões: a intolerância da igreja para com aqueles que pensavam pensamentos
diferentes e, em segundo lugar,
o fato de que a denominação a
que eu pertencia ter apoiado o
golpe militar de 1964.
Do protestantismo foi-se tudo. Sobrou aquilo a que Paul Tillich deu o nome de "espírito
protestante": o amor à liberdade de ser e de pensar, o respeito
à consciência individual e a
crença de que os homens se relacionam com Deus pessoalmente, sem a mediação de instituições religiosas.
Fui dos primeiros protestantes a participar de encontros
ecumênicos com os católicos,
isso em 1957, muito antes do
Concílio do Vaticano. Ainda seminarista saíamos ao cair da
noite -um grupinho de cinco
estudantes- rumo ao convento dos dominicanos, na rua
Caiubi, liderados por um missionário norte-americano, Richard Shaull.
Secretamente. Se fôssemos
descobertos seríamos expulsos. Nessas reuniões tive, pela
primeira vez, a experiência de
um diálogo com os católicos.
Desde então o círculo dos católicos que admiro e respeito só
tem crescido. Alceu de Amoroso Lima, D. Pedro de Casaldáliga, Leonardo Boff, Ivone Gebara, Carlos Rodrigues Brandão.
Esses fazem parte da minha
"igreja invisível" e sei que participariam comigo da eucaristia.
Quando escrevi meu último
artigo eu me encontrava sob o
impacto, mistura de incredulidade e indignação, de uma notícia que me chegara.
Era um artigo do historiador
católico Eduardo Hoornaert,
do qual transcrevo o primeiro
parágrafo: "Mais um capítulo
numa dolorosa história que já
vai longe: a "penitência perpétua" imposta a Jon Sobrino".
No dia 15 de março, a Congregação Vaticana para a Defesa da Fé procede à promulgação de uma "penitência" infligida ao padre jesuíta Jon Sobrino, nascido em 1938 em Bilbao,
Espanha, e residente desde
1958 em El Salvador, onde foi
teólogo de Dom Oscar Romero.
A penitência consistirá no
"silêncio mais absoluto" do teólogo, não naquele "silêncio de
um ano" imposto a Leonardo
Boff, mas num silêncio perpétuo, no apagar "per saecula saeculorum" de uma voz
que incomoda.
Qual a razão de tão severo
procedimento? Onde foi que
Sobrino pisou feio? O texto do
Vaticano explicita: "O teólogo
não afirma abertamente a
consciência divina de Jesus
histórico", "ele oculta a divindade de Jesus".
A indignação está sendo profunda entre um sem-número
de católicos e protestantes.
Frei Beto lamenta ao final de
um artigo: "Como renovar a
Igreja Católica se suas melhores cabeças estão sob a guilhotina de quem enxerga heresia onde há fidelidade do Espírito
Santo: Hans Kung em 1975 e
1980; Jacques Pohier em 1979;
Schillebeeckx em 1980, 1984 e
1986; Leonardo Boff em 1985;
Charles Curran em 1986; Tissa
Balasuriya, em 1997; Anthony
de Mello, em 1998; Reinhard
Messner, em 2000; Jacques
Dupuis e Marciano Vidal, em
2001; Roger Haight, em
2004..."
Agora, pensando em Jesus:
não creio que ele emudeceria
perpetuamente um pássaro só
por não gostar do seu canto...
NA INTERNET -
Assinantes da Folha e do UOL podem ler a coluna anterior de Rubem
Alves ("A Praga") em
www.folha.com.br/070825
Texto Anterior: Abastecimento: Pinheiros ficará sem água no final de semana Próximo Texto: No interior do Paraná, prefeitura faz operação para retirar mendigos Índice
|