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PASQUALE CIPRO NETO
Suspeitávamos que você fosse/era...
Quando se junta a isso
outra chatice (o exagero
no futuro do pretérito),
pobre leitor, pobre ouvinte
NAS DUAS ÚLTIMAS colunas,
trocamos algumas palavras
sobre a opção entre o modo
indicativo e o subjuntivo. Não custa
(re)lembrar a essência da questão:
com o modo indicativo, põe-se no
plano da certeza (confirmação, realidade etc.) o processo expresso pelo
verbo; com o modo subjuntivo, põe-se esse processo no plano da hipótese (suposição, dúvida etc.).
Os exemplos aqui vistos e analisados se fixaram no presente de cada
um dos modos, o que fez muita gente escrever para perguntar se com os
pretéritos o princípio se mantém.
Para trocar em miúdos, esses leitores perguntaram o seguinte: "Suspeitávamos que você fosse..." ou
"Suspeitávamos que você era..."?
Antes que alguém pergunte se não
faltou a preposição "de" nos exemplos vistos, vou logo dizendo que as
duas ocorrências ("Suspeitávamos
que/de que") têm vida e registro na
língua. Com o sentido de "desconfiar", "recear", o verbo "suspeitar"
aparece como direto ou indireto ("O
capitão suspeita a aproximação da
borrasca"; "Sem suspeitarem de que
alguém os visse, / Trocaram beijos
ao luar tranqüilo" -os exemplos estão no "Aurélio"; o segundo é de
"Luar de Janeiro", de Augusto Gil).
Mas voltemos ao xis da questão:
"Suspeitávamos que você fosse" ou
"que você era"? Ou tanto faz? Ou depende? O valor semântico de "suspeitar" nos leva a ver e a aceitar como absolutamente normal a predominância do subjuntivo na oração
que funciona como complemento
desse verbo, mas... Mas é aí que entra a questão estilística. Quem diz ou
escreve "Suspeitávamos que você
fosse" acentua (com "fosse") a dúvida presente no sentido de "suspeitar". Quem diz ou escreve "Suspeitávamos que você era" deixa escapar
(ato falho?) que na verdade a suspeita tem forte matiz de certeza.
Em textos informativos, técnicos
etc., é provável o absoluto predomínio do subjuntivo, mas, na literatura
e na linguagem oral, não arrisco palpite sobre a escolha vencedora. O
que importa, como sempre, é não esquecer que a opção por este ou aquele modo passa longe do simplório
maniqueísmo do certo/errado.
Já que falamos em suspeitas (que
tempos os nossos!), talvez convenha
aproveitar a ocasião para abordar
uma família de palavras do mesmo
campo semântico de "suspeitar"(supor, suposição, suposto etc.). O que
se aplica com "suspeitar" (em relação ao modo do verbo da oração
complementar) se aplica também
com "supor" ("Todos supunham
que eles fossem/eram"). Mas isso já
deve ser -creio- ponto pacífico.
O que me parece importante lembrar é outro aspecto, ou melhor, outros (dois). O primeiro (e menos importante, suponho) é que o verbo
"supor" deriva de "pôr", portanto segue integralmente sua conjugação
("Todos imaginavam que ela supusesse..."; "Se eles supuserem que
ninguém desconfiará dessa tese...").
O segundo diz respeito a uma nova praga do jornalismo: "A polícia
supõe que o suposto traficante...";
"O deputado que supostamente teria recebido propina dos supostos
lobistas...". Que coisa de louco, não?
O caro leitor já se deu conta dessa
mania? Parece que ninguém quer
assumir coisa alguma. Quando se
junta a isso outra chatice (o exagero
no futuro do pretérito -"Segundo a
polícia, o ladrão teria entrado pela
porta..."), pobre leitor, pobre telespectador, pobre ouvinte. É isso.
inculta@uol.com.br
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