São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

Suspeitávamos que você fosse/era...

Quando se junta a isso outra chatice (o exagero no futuro do pretérito), pobre leitor, pobre ouvinte

NAS DUAS ÚLTIMAS colunas, trocamos algumas palavras sobre a opção entre o modo indicativo e o subjuntivo. Não custa (re)lembrar a essência da questão: com o modo indicativo, põe-se no plano da certeza (confirmação, realidade etc.) o processo expresso pelo verbo; com o modo subjuntivo, põe-se esse processo no plano da hipótese (suposição, dúvida etc.).
Os exemplos aqui vistos e analisados se fixaram no presente de cada um dos modos, o que fez muita gente escrever para perguntar se com os pretéritos o princípio se mantém.
Para trocar em miúdos, esses leitores perguntaram o seguinte: "Suspeitávamos que você fosse..." ou "Suspeitávamos que você era..."?
Antes que alguém pergunte se não faltou a preposição "de" nos exemplos vistos, vou logo dizendo que as duas ocorrências ("Suspeitávamos que/de que") têm vida e registro na língua. Com o sentido de "desconfiar", "recear", o verbo "suspeitar" aparece como direto ou indireto ("O capitão suspeita a aproximação da borrasca"; "Sem suspeitarem de que alguém os visse, / Trocaram beijos ao luar tranqüilo" -os exemplos estão no "Aurélio"; o segundo é de "Luar de Janeiro", de Augusto Gil).
Mas voltemos ao xis da questão: "Suspeitávamos que você fosse" ou "que você era"? Ou tanto faz? Ou depende? O valor semântico de "suspeitar" nos leva a ver e a aceitar como absolutamente normal a predominância do subjuntivo na oração que funciona como complemento desse verbo, mas... Mas é aí que entra a questão estilística. Quem diz ou escreve "Suspeitávamos que você fosse" acentua (com "fosse") a dúvida presente no sentido de "suspeitar". Quem diz ou escreve "Suspeitávamos que você era" deixa escapar (ato falho?) que na verdade a suspeita tem forte matiz de certeza.
Em textos informativos, técnicos etc., é provável o absoluto predomínio do subjuntivo, mas, na literatura e na linguagem oral, não arrisco palpite sobre a escolha vencedora. O que importa, como sempre, é não esquecer que a opção por este ou aquele modo passa longe do simplório maniqueísmo do certo/errado.
Já que falamos em suspeitas (que tempos os nossos!), talvez convenha aproveitar a ocasião para abordar uma família de palavras do mesmo campo semântico de "suspeitar"(supor, suposição, suposto etc.). O que se aplica com "suspeitar" (em relação ao modo do verbo da oração complementar) se aplica também com "supor" ("Todos supunham que eles fossem/eram"). Mas isso já deve ser -creio- ponto pacífico.
O que me parece importante lembrar é outro aspecto, ou melhor, outros (dois). O primeiro (e menos importante, suponho) é que o verbo "supor" deriva de "pôr", portanto segue integralmente sua conjugação ("Todos imaginavam que ela supusesse..."; "Se eles supuserem que ninguém desconfiará dessa tese...").
O segundo diz respeito a uma nova praga do jornalismo: "A polícia supõe que o suposto traficante..."; "O deputado que supostamente teria recebido propina dos supostos lobistas...". Que coisa de louco, não?
O caro leitor já se deu conta dessa mania? Parece que ninguém quer assumir coisa alguma. Quando se junta a isso outra chatice (o exagero no futuro do pretérito -"Segundo a polícia, o ladrão teria entrado pela porta..."), pobre leitor, pobre telespectador, pobre ouvinte. É isso.


inculta@uol.com.br

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