|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
WALTER CENEVIVA
Anonimato criminoso
Revelar a identidade daquele que quis ocultar-se ao ofender a honra de alguém não viola o direito da livre manifestação
CONTINUAM CHEGANDO AOS
tribunais questões relativas a
abusos cometidos nos sistemas eletrônicos de comunicação via
internet, com ofensas à honra e à
dignidade de pessoas. O uso dos novos meios de divulgação para atingir
inimigos, causando-lhes prejuízo
com a difusão de informações falsas,
agrava-se seriamente quando feito
sob proteção de anonimato que lhes
seja permitido.
Em nosso país, a questão vem claramente distinguida em duas partes
fáceis de compreender. De um lado,
como valor social indiscutível, está a
liberdade plena da manifestação do
pensamento. Não há democracia
sem que essa garantia seja resguardada. De outro lado, como valor individual fundamentalíssimo, a preservação da vida, da intimidade, da
imagem e da honra das pessoas.
Os dois segmentos, assegurados
pela Carta Magna, têm, como um de
seus elementos básicos, a proibição
do anonimato. Quando se trata de
comunicações destinadas ao público em geral, o anonimato nega o direito da vítima. Resulta em benefício
danoso daquele que se esconde criminosamente, na certeza de que não
será chamado a responder pelas
conseqüências de sua ilicitude. Essa
conduta é inaceitável.
Perde-se na noite do tempo a grita
contra a divulgação anônima de
ofensas ou de versões desairosas sobre pessoas ou grupos. Do mesmo
modo, tem sido preservada a liberdade de emitir opiniões críticas, ainda que desagradem aos atingidos. O
ponto do equilíbrio entre o direito
individual e o direito geral é difícil de
situar em cada caso, mas continua
inaceitável quando, na atualidade, o
sistema eletrônico, ao preservar
seus clientes não identificados, garanta o anonimato do ofensor. Trato
do tema depois de debate em mesa
na Universidade Anhembi-Morumbi à qual compareceu, entre outros,
Frederico Vasconcelos, expoente de
nosso jornalismo investigativo em
textos assinados por ele.
A imposição de revelar a identidade daquele que quis ocultar-se ao
ofender a honra de alguém não viola
o direito da livre manifestação. A divulgação ofensiva sem autoria conhecida é o oposto da democracia.
O governo do povo, pelo povo, seria impensável se, na amplitude dos
"orkuts" e dos blogs, a agressão da
honra tivesse compatibilidade com
o anonimato. Pensamento anônimo
pode existir na divulgação, desde
que não interfira na órbita do direito
de terceiros.
Posta a mesma questão em face da
ciência jurídica, sabe-se que o direito se destina a coordenar as relações
interpessoais, para repetir a feliz
frase de Del Vecchio. Coordenação
pacífica, equilibrada. Essas qualidades não sobrevivem e são impossíveis de serem preservadas ao se unirem o emissor ofensivo e o meio que
propicia a comunicação pública,
oral ou escrita, eletrônica ou impressa, que proteja o autor de crime
contra a honra, punido pela lei.
Onde, pois, o equilíbrio? Incluídos
meios velhos e novos sob a designação de comunicação social, tomada
como gênero, é imprescindível submetê-los aos mesmos critérios de
clareza aceitos tradicionalmente.
Não fosse assim, estaríamos privilegiando a irresponsabilidade dos
anônimos em face dos que, no exercício profissional de serem comunicadores, são constantemente chamados a garantir o direito de resposta sob o risco de sanções penais e
econômicas.
Texto Anterior: Assassinato de coronel da PM é investigado como retaliação dos envolvidos no esquema Próximo Texto: Livros Jurídicos Índice
|