São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

"A mão que toca um violão..."

A coluna da semana passada se apoiou no texto "A Fábrica do Poema", do saudoso Waly Salomão, em que o poeta baiano fala de "...metonímias, metáforas, aliterações, oxímoros...". No correr da coluna, vimos o que são metáforas e aliterações -e fomos parar em alguns trechos de Chico Buarque.
Os leitores não perderam tempo: escreveram para pedir comentários sobre as outras figuras citadas por Waly (a metonímia e o oxímoro). De início, convém dizer que "metonímia", que vem do grego, equivale a "transnominação", que vem do latim. Em "metonímia", encontram-se os elementos "met(a)-" (que significa "mudança" e se encontra também em "metamorfose", "metáfora" etc.) e "-onímia" (que significa "nome de coisa ou pessoa" e se encontra também em "sinonímia", "toponímia" etc.).
Diferentemente da metáfora, que, como vimos, tem por base relações comparativas, a metonímia consiste basicamente em designar um objeto por uma palavra que tenha com ele uma relação de contigüidade. Tradução: em "É fundamental ler Machado de Assis", por exemplo, emprega-se "Machado de Assis" no lugar da obra desse grande escritor.
Não é preciso ir longe para perceber que a metonímia está presente em nosso cotidiano. Quando chamamos de "gilete" qualquer lâmina de barbear, empregamos a metonímia, já que, na origem, "gilete" é o sobrenome de King Camp Gillette, inventor e primeiro fabricante dessa lâmina de barbear. O sobrenome do inventor deu origem ao nome da fábrica. Em seguida, o produto passou a ter o nome do produtor.
Na linguagem chula do Brasil, "gilete" (agora por semelhança, portanto por metáfora) passou a designar também o indivíduo bissexual. Como se vê, a metonímia deu origem a uma metáfora.
Na antológica "Viola Enluarada" (música de Marcos Valle e letra de Paulo Sérgio Valle), encontra-se um dos clássicos exemplos de metonímia (o da parte no lugar do todo): "A mão que toca um violão / Se for preciso faz a guerra (...) / A voz que canta uma canção / Se for preciso canta um hino / Louva a morte (...) / O mesmo pé que dança um samba / Se preciso vai à luta / Capoeira...".
Nessa bela letra, escrita na década de 60, "mão", "voz" e "pé" constituem exemplos de metonímia, já que substituem o ser que tem a mão, a voz e o pé. Nesses casos, o efeito estilístico da metonímia é inquestionável: salienta-se cada "parte" do corpo que se presta a algo delicado (tocar violão, no caso da mão, por exemplo) e a algo mais bruto (fazer a guerra, ainda no caso da mão). Essa guerra, é bom lembrar, tem fundamento ideológico -estamos na década de 60, e a ditadura já perpetra seus estragos.
E os benditos "oxímoros", de que fala Waly? De início, convém dizer que os dicionários brasileiros registram as formas "oximóron" e "oximoro" (paroxítona, com intensidade tonal no "o" da sílaba "mo"). O "Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa", da Academia das Ciências de Lisboa, só registra a forma "oxímoro" (proparoxítona).
Essa figura consiste basicamente na associação de palavras contraditórias, que teoricamente se excluem, mas reforçam a expressão ("silêncio eloqüente", "valentia covarde" -do "Aurélio"; "música silenciosa", "obscura claridade" -do "Houaiss"). É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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