São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Grafiteiros acusam prefeitura de implantar política antigrafite

Grupo diz que a administração de Gilberto Kassab (DEM) apaga desenhos feitos em áreas públicas de São Paulo; governo declarou que não há perseguição

JOÃO WAINER
DA REVISTA DA FOLHA

Depois de passar um mês na Escócia grafitando um castelo medieval construído em 1200, os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, 33 -conhecidos como Osgemeos- e Karina Arcênio Pandolfo, 30, a Nina (mulher de Otávio), desembarcaram em São Paulo no último dia 16, sábado à tarde, e sofreram um choque de realidade. A prefeitura da cidade que toda a vida foi para eles uma enorme tela em branco hoje pinta sistematicamente de cinza os muros públicos grafitados pelo trio.
No domingo passado, ainda sob efeito do fuso-horário, Osgemeos e Nina juntaram-se aos também grafiteiros Ise e Koyo para pintar muros da cidade como fazem desde 1987.
Nos pilares do viaduto Antártica, na zona oeste, Osgemeos desenharam uma série de cinco bonecos. Nina fez duas meninas enquanto Ise e Koyo escreveram seus nomes.
Os desenhos duraram menos de 16 horas na parede. Nem bem a tinta secou e no dia seguinte as pilastras amanheceram cobertas de cinza.
Num intervalo de quatro meses, essa rotina se repetiu sete vezes. Camelôs e pedestres ouvidos pela reportagem afirmam que funcionários da prefeitura fizeram o serviço de cobertura.
O secretário da coordenação das Subprefeituras de São Paulo, Andréa Matarazzo, nega a perseguição aos grafites. "Não existe nenhuma política ou iniciativa nossa para cobertura de grafites; há, sim, uma rotina de limpeza da cidade. Acontece que os grafiteiros também têm uma rotina de pintar, por isso alguns podem ter sido apagados. Mas não quer dizer que foi a prefeitura que cobriu o grafite do viaduto Matarazzo, pode ter sido a empresa que a prefeitura contrata para pintar o viaduto, por exemplo", diz.
O prefeito Gilberto Kassab deve sancionar em breve projeto de lei aprovado na Câmara que institui um programa antipichação, cujo texto prevê que donos de imóveis com pichação poderão obter recursos da prefeitura para pintar suas fachadas. O texto da lei não distingue pichação de grafite.

Peso de ouro
Enquanto a prefeitura apaga, outros contratam os artistas. A escocesa Alice Boyle, filha do lorde de Glasgow Patrick Boyle, que convidou Osgemeos, Nunca e Nina para grafitar o castelo de Kelburn, diz que qualquer cidade da Europa adoraria ter nas paredes desenhos do tipo.
Na galeria Fortes Vilaça, em São Paulo, todas as obras foram vendidas na exposição d'Osgemeos, que em dois meses em 2006 foi visitada por mais de 30 mil pessoas, recorde da galeria.
Apesar das dificuldades e de o grafite ser considerado prática ilegal em São Paulo (com pena de três meses a um ano), os grafiteiros seguem pintando nas ruas. "Por mais que nossos trabalhos estejam nas galerias, nunca vamos desistir de pintar na rua. Essa é a verdadeira essência do grafite", dizem, em coro, os gêmeos. "Por mais que o novo prefeito apague, não vamos parar de mostrar para o povo de São Paulo nossa arte."
Para Matarazzo, nem todos têm de gostar de grafite. "É como alguém que não gosta de quadros em casa."
Guilherme Aranha, 30, coordenador da juventude da atual gestão, acredita que São Paulo tolera mais o grafite do que outras metrópoles. "Em Madri, que conheço muito bem, não existe espaço para pintar na rua. Em Londres, então, eles seriam presos. Aqui, somos bem democráticos."


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