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LETRAS JURÍDICAS
Dificuldades para a dosagem das penas
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Embora muita gente
não a conheça, a palavra
dosimetria tem andado no noticiário de formas diversas. Refere-se ao critério científico de determinar a punição penal conforme
a gravidade das condutas puníveis. A punição de 30 anos de reclusão conferida ao atirador do
shopping Morumbi, em caso recente muito comentado, provocou intensa reação nas famílias
das vítimas. É pouco, queixaram-se parentes ouvidos, alguns dos
quais sustentando ser a pena de
morte a única satisfatória.
Opinar sob o calor da emoção
corresponde à manifestação justa
e compreensível pela perda de um
ente querido. Acontece que os critérios técnicos não são fáceis de
serem determinados na lei e decididos pelo juiz. Ao contrário, são
sempre discutíveis. Isso poderá levar algum leitor a contestar a discutibilidade ante a clareza do óbvio: quanto mais grave o crime,
mais severa deve ser a pena. Mesmo óbvio, o critério tem aplicação
complicada.
Começo por mencionar condutas nas quais até a criminalização
desperta dúvidas. O consumo da
maconha é o mais evidente, mas
há outras controvérsias possíveis.
Vejamos o adultério: o homem ou
a mulher casados mantêm relação sexual fora do casamento. No
Brasil esse comportamento tipifica crime, punido com prisão de
até seis meses. Pergunto: o adultério é assunto para a sociedade como um todo ou interessa apenas
aos cônjuges? É crime? Na minha
opinião não deveria ser, embora
a conduta tenha tipo civilmente
responsabilizável. Interessa ao
casal. Ninguém mais tem alguma
coisa com isso, tanto que a lei exige representação do ofendido
para processar o adúltero e
admite o perdão (Código Penal,
artigo 240).
Por outro lado, há crimes com
ações heterogêneas, para os quais
a gravidade das penas é sujeita a
grande variação. Comparemos,
por exemplo, a conduta dos acusados de corrupção no Ministério
da Saúde com a do roubo à mão
armada. O que é mais sério? O interesse dominante na última alternativa é o patrimônio do ofendido. Na questão da saúde, o patrimônio do Estado é atingido,
com danos para toda a coletividade. A diversidade de soluções
mostra que o bom critério dosimétrico requer a verificação do
bem social atingido (vida, saúde,
patrimônio, honra, bem público,
práticas de justiça).
A avaliação fica relativamente
mais fácil quando se trata de crimes contra a vida. Mais fácil, mas
não muito. Matar alguém a tiros,
numa discussão, não é a mesma
coisa que matar alguém por atropelamento num racha. Isso porque o valor da intenção do criminoso é dado essencial. A dosagem
das penas depende ainda de fatores que dificultam o enquadramento das ações criminosas, ligados não propriamente à dose punitiva, mas à eficácia da pena. A
prisão conforta a cidadania, afastando o criminoso das ruas.
Quando volta, porém, ao convívio social, ele está mais escolado
para novos delitos. Em geral, está
mais perigoso. Dificilmente o condenado sai da cadeia mais qualificado para viver em sociedade.
Em conclusão, inexiste critério
para abarcar todas as alternativas desejáveis, as quais tendem a
variar no curso do tempo. Nenhum país civilizado conseguiu
resolver definitivamente qual a
punição apta a produzir o melhor
efeito permanente em cada crime
para punir o delinqüente e, ao
mesmo tempo, desestimular delitos semelhantes. O esforço permanente para acertar soluções é impulsionado pela pressão social,
impondo a cada cidadão o dever
de participar do aperfeiçoamento
do mecanismo punitivo. A recusa
da participação é um modo de estimular a criminalidade.
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