São Paulo, sexta-feira, 24 de julho de 2009

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BARBARA GANCIA

Pode descansar em paz, Cronkite


Em sua autobiografia, Walter Cronkite queixou-se sobre a falta de rumo do jornalismo e a banalidade do noticiário
ACONTECEU tudo na mesma semana, e se eu fosse daquelas pessoas que encontram um significado oculto nos acontecimentos, já estaria correndo para procurar emprego no Fran's Café ou na Casa do Pão de Queijo. Explico: no último dia 17, o mitológico âncora da CBS, Walter Cronkite, chamado de "o homem mais confiável da América", partiu desta para melhor, aos 92 anos. E, dois ou três dias depois, eu me dei conta de que estava completamente viciada no tal do Twitter.
Em benefício da minha mãe, dona Lulla, que é leitora desta coluna, sou obrigada a dar explicações básicas sobre o que vem a ser o Twitter. Segure firme, leitor cibernético, e tenha um pouco de respeito pela minha genitora. O Twitter é uma rede que reúne vários microblogs. Você se registra e vai escolhendo quem deseja seguir. Eu selecionei, entre outros, só para dar exemplo, a rainha da Inglaterra, as revistas "iD" e "The Economist", o cantor David Bowie e um amigo meu, o Fernando Zarif.
Toda vez que penso numa bobagem, vou ao Twitter instalado no meu celular e digito, em no máximo 140 caracteres, a idiotice que pensei. Já alguém como a Folha Online coloca lá a chamada para sua reportagem sobre, digamos, a crise econômica, com o mesmo limite de caracteres: "Efeito da crise perde força - http://www.folha.uol.com.br". Vejo as manchetes e tenho à disposição as reportagens completas para ler no celular ou no computador. E toda vez que entro no Twitter, ele me mostra as cem "twittadas" mais recentes do pessoal que eu escolhi seguir. Assim, eu não só fico sabendo o que meus amigos estão fazendo, mas o que está acontecendo no mundo por meio dos jornais e revistas que li a vida inteira. Deu para entender, mamãe?
Não sou maria vai com as outras. Fujo do Orkut como o diabo da cruz. Não quero fazer amigos. Muito ao contrário, quero me desfazer de boa parte dos que já tenho. Também não faço questão nenhuma de integrar redes sociais da internet como o Facebook, nas quais a garotada passa o dia trocando informações sobre a próxima balada.
Apesar de o Twitter servir aos mesmos propósitos do Orkut e do Facebook, ele é bem mais do que isso. Foi por meio dele que o mundo ficou sabendo que o avião da US Airways caiu dentro do rio Hudson; que os iranianos não estavam contentes com a eleição de Ahmadinejad; e até que o astronauta Michael Massimino, que posta mensagens do espaço sob a alcunha de Astro Mike (sou uma das pessoas que o seguem), conseguiu reparar o telescópio Hubble.
O que tudo isso tem a ver com Walter Cronkite? Bem, em sua autobiografia de 1997, "A Reporter's Life", Cronkite queixou-se sobre a falta de rumo do jornalismo, a banalidade do noticiário e o "jornalista celebridade". Imagino que não tenha chegado a ver na homepage do Twitter o trabalho de reportagem ser embaralhado aos comentários sobre o que o ator Ashton Kutcher toma no café da manhã.
Não vou ao cúmulo de Paulo Francis, para quem Cronkite não passava de um "simples apresentador de notícias". Mas creio que não há imposição de mercado, nova mídia ou má intenção de governo que possam derrubar a demanda pelo bom jornalismo. Enquanto ela existir, estaremos todos a salvo.

barbara@uol.com.br

www.barbaragancia.com.br

twitter: @barbaragancia


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