São Paulo, sexta-feira, 24 de julho de 2009

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ANÁLISE

Existe uma Nova Luz para a cracolândia?

LÚCIO GOMES MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não há como não se chocar com a degradação urbana e humana da cracolândia. Relativamente poucas pessoas frequentam a região, além dos moradores tradicionais (sim, há muita gente que procura morar dignamente em Santa Efigênia), dos lojistas e de seus clientes do vibrante setor de eletrônicos.
A pergunta óbvia: como o primeiro bairro planejado de São Paulo, com enorme quantidade de testemunhos arquitetônicos de sua antiga pujança, pode chegar a esse ponto?
São Paulo ficou décadas sem Plano Diretor e, o que é pior, sem qualquer esforço de planejamento sistemático. Não houve esforços para gerir a cidade com a técnica e a cultura correspondentes ao nosso desafio metropolitano: quase 20 milhões de habitantes, 80 km de urbanização contínua de leste a oeste!
Ao longo do século 20, a economia transformou-se drasticamente, mas a cidade não se preparou para dar o correspondente suporte. Por omissão ou por ação, tanto do Poder Executivo quanto do Legislativo, o crescimento da cidade foi deixado nas mãos do "mercado".
Diferentemente do que se propala, a degradação urbana não foi causada só pelo transporte individual, incentivado por decisões macroeconômicas de industrialização a qualquer custo, com o automóvel como protagonista. Mais decisivos foram a verticalização descontrolada e o incentivo à obsolescência acelerada do espaço urbano organizado, em busca de novas áreas com baixo custo para incorporação imobiliária.
Em menos de seis décadas, as atividades mais sofisticadas saíram do centro histórico para novos centros em torno da marginal Pinheiros, passando por República, Paulista, Faria Lima, Berrini e Socorro.
A cada novo horizonte, uma área urbanizada e parcialmente edificada era abandonada e era glorificada uma nova Meca imobiliária. Nada mais compreensível que o primeiro bairro implantado fora do centro histórico tenha se tornado o mais notável exemplo de degradação. Como nos outros casos, não se olhou para trás. Abandonado, o espaço foi ocupado pelos excluídos da vida urbana.
Encontra-se em fase de consulta pública um edital para contratação de um grande projeto urbanístico, pela prefeitura, para a região. Trata-se de um passo importante, mas que nasce viciado pela cultura neo-colononizada dos administradores que acreditam existir know-how de ponta somente nos países "desenvolvidos".
De fato, embora tendo tido poucas reais oportunidades, é no Brasil que estão os urbanistas com experiência em enfrentar problemas na escala de dezenas de milhões de habitantes e com a diversidade cultural característica de São Paulo.
Pode haver uma Nova Luz.

Professor da FAU-USP e coordenador do Plano Diretor da Subprefeitura da Lapa (2003-04)



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