São Paulo, domingo, 24 de julho de 2011

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Mães solteiras da região enfrentam o preconceito

Crianças são chamadas de "filhos do Rodoanel"; assunto atrai desconfiança e ironia

Na periferia de São Bernardo do Campo, o tema é tabu; moradores relatam aumento de brigas e prostituição

DE SÃO PAULO

"Filha do Rodoanel!" -da janela da manicure de 35 anos dava para ouvir uma vizinha gritando, em referência à criança de um ano e nove meses que ela teve com um mestre de obras da via.
"Preconceito existe. Fazem piadinha falando que somos "mães do Rodoanel", mas tenho que focar na vida daqui pra frente", diz.
O tema é tabu no Parque Los Angeles, periferia de São Bernardo do Campo, onde mora a manicure. Falar sobre grávidas e Rodoanel ali geralmente resulta em silêncio, desconfiança, evasivas, negativas ou risadinhas.
"O povo não gosta de falar sobre a gente porque é coisa íntima, eles têm medo de que a gente ache ruim", diz a empregada doméstica Gizele Cerqueira, 30, que afirma não sofrer preconceito.
Ela sabe que o pai de sua filha, de dois anos e meio, é de Alagoas, mas ignora seu paradeiro. A criança não foi registrada e ele sumiu quando ela tinha 15 dias de vida.
A autônoma Alcione Amaro, 30, do Parque Los Angeles, teve mais sorte. Seu namorado da época, topógrafo mineiro, foi embora quando ela estava grávida de dois meses, deixando apenas um telefone. "Eu ligava todo dia, fiquei desesperada porque não conseguia contato."
Oito meses depois, já com o bebê nascido, ela conseguiu. Desde então, ele paga a pensão do menino.
Os moradores também falam da presença de meninas, de 12 a 17 anos, que iam para os alojamentos, de mochila e tudo, direto da aula.

FESTAS E PROSTITUIÇÃO
Outros impactos da obra apontados pela comunidade são: aumento de prostituição, consumo e tráfico de drogas, acidentes, brigas e isolamento de bairros. Jornais como o "São Bernardo Hoje" e o "Diário do Grande ABC" já haviam apontado os problemas, que, segundo eles,também atingiram Santo André e Mauá.
À epoca, moradores alugaram casas e chácaras aos trabalhadores. "Tinha muita menina de 15 anos no alojamento com 40 peões", conta a manicure Maria Cristiane Santos, 21, que engravidou de um operário do Piauí.
"Havia brigas e confusão, a gente nem dormia", lembra a dona de casa Cátia Cirilo, 36. Também havia mais bares abertos, que viviam cheios.
"Houve um momento de abundância econômica e, depois que esses homens voltaram para suas terras, deixaram as dívidas para trás", diz o vereador Paulo Dias (PT). O prefeito Luiz Marinho, do mesmo partido, não deu entrevista.
Marinei Marques, 51, foi uma das que não recebeu por algumas roupas que lavou.
Mas ela guarda cuidadosamente um bilhete deixado por um gaúcho que conheceu: "Mara, saiba que você foi minha gostosa."
Ela não engravidou, mas entrou em depressão quando o namorado foi embora e trocou o número do celular.
"Morro por causa daquele homem!", diz, entre gargalhadas. (CRISTINA MORENO DE CASTRO)

FOLHA.com
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