São Paulo, sexta, 24 de julho de 1998

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PERIGO EM CASA
Discursos do governo e da ONU constatam que pouco foi feito contra o problema e que soluções não são simples
Campanha antiviolência começa pessimista

DANIELA FALCÃO
da Sucursal de Brasília

Os discursos dos representantes do governo federal e da Organização das Nações Unidas durante o lançamento da Campanha contra a Violência Intrafamiliar ontem, em Brasília, foram marcados por duas constatações: de que pouco se fez até agora para combater o problema e de que as soluções existentes não são simples.
"Por mais que tenhamos feito, foi pouco. Temos de intensificar a luta. A violência doméstica é gratuita, sem sentido. Toda violência é sem sentido, mas a violência contra mulheres e crianças dentro de suas próprias casas tem menos sentido ainda", disse José Gregori, secretário nacional de Direitos Humanos e representante do governo federal na campanha.
Gregori afirmou que os índices de violência no Brasil são preocupantes, sobretudo os de violência doméstica, mas se mostrou pouco otimista quanto às chances de reduzir as ocorrências a curto prazo.
"A violência doméstica é difícil de ser combatida porque não existe vacina. Essa campanha é lançada em um momento difícil, porque estamos às vésperas de eleições gerais, mas, como se trata de um problema que está acima de correntes políticas, acho que temos chance de sucesso."
Para Gregori, é importante que a campanha produza resultados concretos -ou seja, que consiga diminuir o número de vítimas da violência doméstica-, porque "uma campanha que não produz resultados é como um caso de amor que não se concretiza".
O representante do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) Agop Kayayan também avalia que será difícil reduzir a incidência de violência doméstica no Brasil se não houver reformas profundas.
"Não basta nos reunirmos aqui hoje e reivindicar uma cultura de paz. O Brasil tem de resolver o problema da distribuição de renda para acabar com a violência dentro de casa. Sem justiça social não há paz. Não adianta o governo falar em combater a violência se não se propuser a distribuir renda", afirmou Kayayan.
Sobre o levantamento realizado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos em 14 Estados do país que aponta que parentes foram responsáveis por 34,4% dos homicídios cometidos contra crianças entre zero e 11 anos registrados pela imprensa, Kayayan afirmou que os pais não devem ser vistos como "grandes vilões".
"Não acho que os pais sejam culpados. A agressão que leva à morte da criança ocorre por causa das condições subumanas em que vivem muitos pais de família. São trabalhadores desempregados, frustrados por não puderem sustentar a casa e cujo único lugar que têm para extravasar a frustração é a família", disse.



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