|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Pessoa no limite entre o normal e o neurótico corta próprio corpo
"Normático" busca
calma na mutilação
LUCIA MARTINS
da Reportagem Local
Andrei desenhou um A, de anarquia, no braço esquerdo com uma
faca. Aran carregava alfinetes pregados nas roupas e picava os braços quando ficava nervoso. Nasi
quebrava copos de uísque nas
mãos e batia a cabeça no bumbo
quando fazia shows.
Como a princesa Diana e o ator
Johnny Depp, os três se aproximam do perfil da vítima de "desvio de personalidade borderline",
uma doença diagnosticada pela
primeira vez em 80 (após a explosão punk e a febre das tatuagens) e
que começa a preocupar médicos
brasileiros.
Tanto que, no início deste ano, a
Santa Casa de São Paulo (região
central da cidade) criou o Projeto
Borderline, um grupo de estudo e
tratamento especializado nesse tipo de doença.
"É uma maneira superespecífica
de sofrer. Tem gente que consegue
expressar os sentimentos gritando, outras guardam e se machucam", diz o tradutor Andrei Soares, 24, que começou a se cortar
aos 14 anos e hoje tem cicatrizes
nos ombros, pernas e braços. Todas elas foram feitas com facas,
garrafas e giletes.
Surgimento
O comportamento auto-agressivo geralmente surge na adolescência e se torna um hábito. Toda vez
que ocorre uma grande frustração
ou irritação na vida dessas pessoas, elas se ferem.
Mas, ao contrário dos psicóticos
ou esquizofrênicos que também
frequentemente se machucam,
eles o fazem conscientes. São os
chamados "normáticos", os normais neuróticos.
As explicações mais comuns dos
especialistas para as auto-agressões são duas: ou eles querem gerar sentimento de culpa ou evitar
agredir outras pessoas.
15 furos
O músico Aran Brandão, 18, diz
que passou a maior parte do ano
de 1995 se alfinetando. Resultado:
hoje ele tem 15 furos em cada braço. "Não é nada premeditado.
Lembro uma vez que tive um problema com a banda. Saí da casa onde estava ensaiando, sentei na calçada e comecei a me picar até sangrar muito. Depois de uma hora
fazendo aquilo, a raiva passou."
A explicação médica para esse tipo de comportamento é quase
sempre a mesma, diz o psiquiatra
Alvaro Ancona de Faria, coordenador do Projeto Borderline.
São pessoas que tiveram algum
"rompimento de vínculo na infância", isto é, sofreram alguma
perda ou violência, como desagregação familiar ou abuso sexual.
"Nos dois casos, eles se sentem
culpados e se punem", diz Wimer
Botura, psiquiatra e presidente do
comitê multidisciplinar da adolescência da Associação Paulista de
Medicina.
Os médicos alertam que, mesmo
os casos de autodestruição mais leves, devem ser tratados para evitar
que eles se tornem realmente perigosos. O tratamento mais indicado
e eficaz é a psicoterapia.
"Quando fico aborrecido,
irritado com alguma coisa, preciso de um inimigo,
alguém que tenha feito algo contra mim. Então,
posso arrumar uma briga
e descarregar. Mas eu
sempre estou sentado numa sala, apenas com amigos, e não posso fazer nada contra eles. Então, vou
para outra sala, quebro
um vidro e me corto. Só aí
me sinto melhor."
Sid Vicious, baixista da banda Sex Pistols, em 1977
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|