São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997.



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'SÍNDROME DO CORTE'
Objetivo é "aproximar do corpo"
Tradutor se corta com faca e mastiga copos

da Reportagem Local

O tradutor Andrei Soares, 24, diz que se corta para "se aproximar do seu corpo". "Quando estou mal, me distancio de mim mesmo. É estranho. Me cortar faz com que eu volte ao normal", afirma.
Desde os 14 anos, Soares faz cicatrizes no seu corpo. Hoje, além do A (de anarquia) desenhado no braço esquerdo com uma faca, ele tem marcas nos ombros, braços e pernas. "Acho que é a maneira de metabolizar o que sinto."
A explicação do psiquiatra Alvaro Ancona de Faria para essa sensação de ausência é a "perda do vínculo". "Essas pessoas têm problemas para se relacionar. Por isso, se sentem longe de seus corpos", afirma.
De fato, Soares conta que sua vida sempre foi "agitada e instável". Ele teve problemas de relacionamento com seu pai ("não conseguia conversar com ele") e muitos outros com todas as namoradas.
A primeira auto-agressão da qual ele se lembra aconteceu quando cursava o 2º grau nos EUA (onde morava com o pai) e rompeu com uma namorada. "Sentei na porta de casa, quebrei um barbeador descartável para pegar a lâmina e me cortei. Foi um alívio."
Então, a automutilação virou hábito. "Ela começou a ser parte da minha personalidade, do modo como eu sou e de como eu me relaciono com as pessoas."
Até que, em uma das vezes, ele "se assustou com o seu próprio comportamento". "Terminei com uma namorada, e, na hora, ela me disse ia ter um filho. Pirei. Fui para uma festa, pulverizei uma garrafa de cerveja na minha mão. Levei três pontos."
Uma outra situação em que ele afirma ter "passado dos limites" foi quando bateu com o carro e levou 43 pontos no rosto. "Estava em delírio. Tinha brigado com uma namorada, fui tentar fazer as pazes, mas não cheguei lá. Quando tentei fazer uma curva, não deu."
Soares interpreta a automutilação como "parte de um teatro". "Poucas vezes fiz isso sem um público, mesmo que ele fosse imaginário." Fazem parte do teatro as vezes em que ele mastiga copos em restaurantes. "Uma vez decidi mastigar um copo e não me machuquei. Desenvolvi uma técnica de fazer isso sem me ferir."
Ele diz que está parando de se auto-agredir. "Não tenho vergonha de me cortar, isso me deu identidade. Mas achei outras formas de me relacionar com os problemas." (LM)


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