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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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LEI SECA

Imposição de horário de fechamento já vigora em 14 municípios da região; principal objetivo é combater a violência

Grande SP tem onda de restrição a bares

ALESSANDRO SILVA
SIMONE IWASSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O título pesou em 1999: Diadema, no ABC Paulista, foi apresentada como a cidade mais violenta do Brasil, com uma taxa de 140,4 homicídios por 100 mil habitantes, cinco vezes superior à média nacional. A chamada "lei seca" -imposição do fechamento de bares às 23h- entrou na agenda de medidas para reverter o quadro, ao lado de outras intervenções sociais e policiais.
A restrição aos bares, que completou um ano de vigência no mês passado, é apontada hoje como um dos principais fatores que levaram a cidade a cair para o 13º lugar no ranking da violência, segundo a prefeitura. O número de mortes caiu sucessivamente de 360 em 1999 para 271 (2000), 238 (2001) e 199 (2002).
E a experiência está se propagando pela Grande São Paulo: 14 dos 39 municípios da região (veja quadro nesta página) já têm suas próprias leis secas -seis a mais do que há um ano. Pelo menos outras duas cidades -Arujá e Mairiporã- estão com projetos em tramitação em suas câmaras.
Esse processo passou a ocorrer em ritmo mais acelerado a partir da criação, em 2001, do Fórum Metropolitano de Segurança, que reúne os prefeitos dos 39 municípios. "A meta é que todas as prefeituras tenham a lei até o final do ano", afirma o prefeito de Mairiporã, Antonio Jair Oliveira do Nascimento (PPS), coordenador do Grupo de Acompanhamento Legislativo do fórum.
A lei seca se baseia na lógica de que álcool e violência andam juntos. Em Diadema, por exemplo, 60% dos assassinatos ocorriam entre 23h e 4h, em geral perto de bares na periferia, conforme mapeamento feito pela prefeitura da cidade em parceria com o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.
Uma pesquisa feita em 1995 pelo cientista social Guaracy Mingardi, 48, ex-secretário municipal de segurança de Guarulhos, detectou que 12% dos homicídios registrados em 14 distritos policiais da zona sul de São Paulo eram resultado de briga em bares.
"O bar é o QG [quartel general] do bandido", afirma a advogada Regina Miki, 43, coordenadora de Defesa Social de Diadema.

Blitze
Todos os dias, um comboio formado por fiscais da prefeitura, guardas municipais, policiais militares e civis sai às ruas para fiscalizar bares. Há pelo menos duas autuações por dia, e seis estabelecimentos já foram fechados. Quando a operação começou, a cidade tinha 1.200 bares cadastrados e outros 1.800 em situação irregular.
"No momento em que se elimina um segmento de homicídios, a polícia é liberada para fazer rondas preventivas. O resultado aparece não só nos assassinatos, mas em uma série de outros problemas", diz a advogada.
Por enquanto, não há estudos que indiquem até que ponto a lei seca é responsável pela queda de homicídios em determinados municípios. Também não há explicação para o aparente fracasso da medida em outros lugares.
Barueri, por exemplo, que desde 2001 restringe o horário de funcionamento dos bares, fechou o primeiro semestre deste ano com aumento de 45,6% no número de assassinatos em relação ao mesmo período do ano passado.
Outros quatro municípios, dos 14 que criaram leis especiais para bares, também registraram crescimento de homicídios, apesar da tendência de queda na Grande SP (7%) registrada de janeiro a junho deste ano em relação ao mesmo período de 2002.

Vida noturna
Ao contrário do que se imagina, a imposição de horário para os bares não acaba com a vida noturna, segundo prefeituras ouvidas pela Folha. Determinados estabelecimentos, após cumprir certas exigências, como funcionar de portas fechadas e ter seguranças, podem avançar além do horário.
"A idéia não é inviabilizar a vida noturna, porque isso também gera emprego", afirma o secretário de Governo de Mauá, Antonio Pedro Lovato, 38, que ocupa interinamente a Secretaria de Cidadania e Segurança Comunitária.

Fiscalização
Mais importante do que criar a lei é fazer com que ela seja cumprida, afirma o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva, pesquisador do Instituto Fernand Braudel. "Havendo fiscalização, há queda no número de homicídios, agressões e acidentes de trânsito", diz ele, a partir de suas experiências nas cidades de Diadema e Barueri, na Grande São Paulo, e Hortolândia (a 105 km da capital).
Guaracy Mingardi afirma que as intervenções deveriam ser feitas em áreas específicas, identificadas a partir da concentração de crimes.
"A curto prazo, [a imposição de horários para fechamento de bares] é uma medida boa, porque reduz a possibilidade de homicídios, mas tem de ser imposta de modo eficaz", afirma o cientista social.
De acordo com os dois pesquisadores, mesmo as prefeituras que não têm lei seca poderiam coibir a violência relacionada ao álcool. Bastaria fechar os bares irregulares, que funcionam sem licença municipal, principalmente em regiões periféricas.

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