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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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SAÚDE

Médicos divergem sobre o tratamento da H. pylori, que se instala no estômago e causa úlcera e câncer gástrico

Bactéria afeta 70% dos brasileiros

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ela mora no estômago de 70% dos brasileiros. Para a maioria, é uma hóspede silenciosa, que não causa problemas. Para outros, pode provocar de gastrite a doenças graves, como úlcera gástrica e duodenal e câncer gástrico. É a bactéria Helicobacter pylori, que consegue driblar a acidez do estômago, órgão que normalmente não abriga outras bactérias.
No Brasil, estima-se que haja 100 milhões de brasileiros infectados por esse microrganismo, que afeta metade da população mundial. Pelo menos 10% deles desenvolverão úlcera no estômago e 1% terá câncer gástrico no futuro, segundo os gastroenterologistas.
Embora seja uma bactéria facilmente identificada, não faz parte da rotina médica pedir a pesquisa desse microrganismo a todas as pessoas que se queixam de gastrite, por exemplo.
Segundo Décio Shinzon, 44, professor da disciplina de gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP-SP, a pesquisa só é feita se o médico tem a intenção de erradicar a bactéria. O tratamento -à base de uma associação de antibióticos- consegue eliminá-la em 90% dos casos.
Porém, por ser tão frequente, e, na maioria das vezes, assintomática, ainda há muita divergência sobre quais casos devam ser tratados. A unanimidade só existe quando a pessoa portadora da bactéria já tem úlcera gástrica estabelecida, o que aumenta o risco de câncer no estômago.
Pesquisas mostram que a H. pylori está relacionada a 80% das úlceras gástricas, a 49% dos cânceres de estômago e a mais de 90% dos casos de linfomas associados à mucosa gástrica.
"Nessas situações, ninguém discute. Tem que tratar", afirma Jaime Natan Eisig, 53, chefe do grupo de estômago da disciplina de gastroenterologia clínica do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Foi o caso da advogada Tatiana Bello, 28, que descobriu há três meses que estava com uma úlcera no estômago. Por meio de uma endoscopia com biopsia, soube que era portadora da bactéria H. pylori. Fez o tratamento para combatê-la durante uma semana -oito comprimidos por dia.
"A dor que eu sentia no estômago desapareceu rapidamente", afirma. Anteontem, Bello repetiu a endoscopia e soube que a bactéria foi erradicada. "Estou mais tranquila", diz.
Na opinião dos médicos Shinzon e Eisig, as pessoas com queixa de gastrite ou outra inflamação no estômago, com histórico familiar de câncer gástrico, também devem ser medicadas.
"A gastrite é a base do câncer. A infecção se instala, vai lesando, lesando o estômago até que um dia o tumor aparece", diz a médica Dulciene Maria de Magalhães Queiroz, 51, professora titular da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), uma das maiores especialistas em H. pylori.
Mas, se a bactéria pode ser eliminada facilmente, por que não indicar o tratamento a todos os casos de inflamação no estômago? Para Eisig, além de ser uma terapia cara, em média R$ 120 cada caixa de antibióticos, as drogas podem causar efeitos colaterais em cerca de 20% a 30% dos pacientes e deixar os agentes infecciosos resistentes aos remédios.
De acordo com Shinzon, o tratamento deve ser individualizado, conforme as queixas e o histórico familiar do paciente. "Só o médico pode decidir", diz.
No Brasil, segundo Eisig, as chances de reincidência da infecção em pacientes tratados varia de 2% a 5%. Nos países desenvolvidos, a taxa de reinfecção é 1%.
Ele afirma que ainda não se sabe se a reincidência ocorre em razão de um novo contato com a bactéria ou por resistência ao medicamento usado anteriormente.
Nos casos de doenças do refluxo (conhecida popularmente por azia) e dispepsia (má digestão, "queimação" no estômago), a indicação do tratamento com antibióticos ainda é controversa. Existem pesquisas mostrando que, nesses casos, a H. pylori pode provocar um efeito protetor.
É o que defende o médico Martin Blaser, professor da Escola de Medicina da Universidade de Nova York. Para ele, a erradicação indiscriminada da bactéria pode aumentar o risco de a pessoa desenvolver a doença do refluxo e o adenocarcinoma (um tipo de câncer) do esôfago.

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