São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Educadores divergem sobre aulas de reforço

Niskier diz que faculdade privada está interessada no dinheiro dos alunos, mesmo que sejam despreparados

DA REPORTAGEM LOCAL

Quem é o culpado pela existência de estudantes que chegam ao ensino superior sem o mínimo preparo intelectual? Educadores concordam que as deficiências têm origem na péssima qualidade dos colégios públicos do país, mas dizem que uma parte dessa culpa precisa ser jogada sobre as universidades e faculdades privadas.
"O cara passa na frente da faculdade e é laçado para dentro. Para passar no vestibular, é só assinar o cheque da primeira mensalidade. A maioria das faculdades faz isso, sem se preocupar se ele sabe alguma coisa ou não. O vestibular virou piada de mau gosto. É por isso que ninguém mais leva o ensino superior a sério", afirma Arnaldo Niskier, que ocupa a cadeira número 18 da ABL (Academia Brasileira de Letras).
Na opinião de Niskier, não é papel da universidade, com suas aulas de reforço em português e matemática, consertar as falhas do ensino básico. "A mudança tem de ocorrer de baixo para cima, e não contrário. Tem de começar pelas fundações. A universidade tem, sim, de fazer uma seleção mais cuidadosa", afirma ele. "Quem ganhou com essa explosão de alunos semi-analfabetos fazendo universidade? As pessoas estão apenas ganhando dinheiro com o comércio da educação superior."
Nos últimos anos, de fato, o ensino superior privado no Brasil passou por um boom. Entre 2000 e 2006, o número de instituições saltou de 1.004 para 2.022. O sistema privado atualmente tem perto de 3,5 milhões de alunos matriculados em cursos presenciais. O ensino superior público também cresceu no período, mas em proporções mais modestas.
Com a extensa lista de instituições à disposição, os estudantes não têm dificuldade para encontrar mensalidades que cabem no bolso.
Além disso, eles contam com incentivos do governo federal para entrar no ensino superior, como as bolsas de estudo do ProUni (Programa Universidade para Todos) e os "empréstimos" do Fies (Programa de Financiamento Estudantil).

Suplementação
O ex-secretário municipal de Educação de São Paulo (1991-92, na gestão Luíza Erundina) Mario Sergio Cortella diz que as aulas de reforço, que ele chama de "suplementação vitamínica", são necessárias.
"Seria muito estranho se uma faculdade ignorasse que seus alunos têm uma lacuna de formação", afirma ele. "Não é uma questão meramente filantrópica. O aluno que não acompanha o curso acaba desistindo. É um cliente a menos."
As universidades rebatem as críticas. "Nós [se tornássemos o vestibular mais difícil] estaríamos indo com a própria legislação brasileira, que prega a inclusão. Não posso excluir o aluno só porque não tem determinado conhecimento", afirma Magali Nascimento de Paula, que coordena as licenciaturas da Uni Sant'Anna (Centro Universitário Sant'Anna), instituição de São Paulo.
"Se nós não dermos essas aulas [de reforço], o aluno deixa de estudar. Não temos interesse em que ele pare. E tampouco temos interesse em aprovar um aluno sem condições, porque chega o Enade [avaliação aplicada pelo Ministério da Educação] e é um desastre", acrescenta ainda Miriam Bevilacqua, presidente do conselho de graduação da Uniban (Universidade Bandeirante), também de São Paulo.
O Ministério da Educação admite o duplo problema -escola pública fraca e faculdade particular pouco exigente- e diz que as aulas de reforço, diante dessa realidade, "não constituem em si um fato negativo grave".
"Cabe às instituições, se assim entenderem, caso o façam com competência, criar condições para que os estudantes consigam desenvolver conhecimentos, habilidades e competências específicas de um curso superior", disse à Folha, por e-mail, o secretário nacional de Educação Superior, Ronaldo Mota. (RW)


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