São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 2002

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SAÚDE

Empresas só poderão funcionar com aval da Vigilância Sanitária; propaganda deve anunciar riscos, como câncer da pele

Bronzeamento em clínicas vai ter regras

João Wainer/Folha Imagem
Funcionária do salão de cabeleireiros Jacques Janine, na Vila Nova Conceição (zona sul de São Paulo), mostra como é uma sessão de bronzeamento artificial


DAGUITO RODRIGUES
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

As cerca de 3.500 clínicas de bronzeamento de todo o país serão obrigadas a ter registro e a apresentar avaliação médica e termo de consentimento de todos os clientes que "douram" sob as luzes artificiais.
A resolução que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publica no próximo mês também deverá proibir o acesso de menores de 16 anos às sessões de bronzeamento artificial. O procedimento está associado ao alto risco de desenvolvimento de câncer da pele. Jovens entre 16 e 18 anos terão de apresentar consentimento assinado pelos responsáveis legais.
A propaganda terá de apresentar os riscos do bronzeamento, sob o risco de ser considerada publicidade enganosa. No mercado, o procedimento já é vendido em "pacotes" de dez sessões, a um custo de R$ 120. A Anvisa recebeu denúncia de queimadura causada durante o procedimento.
A norma é mais um "ataque" contra produtos estéticos populares. No começo do mês, o órgão proibiu a comercialização e a publicidade de 12 aparelhos de ginástica passiva abdominal sem registro. No caso das clínicas de bronzeamento, a agência adotou o princípio da "autodeterminação" na regulamentação, semelhante a existente nos Estados Unidos e países europeus: cabe aos interessados em se submeter ao procedimento estético assumir os riscos.
O termo de consentimento é uma declaração de que o cliente se submeteu a uma avaliação médica e que está ciente dos riscos desse bronzeamento.
A sociedade de dermatologia e outras entidades médicas do país defendiam o banimento do bronzeamento artificial. A norma foi discutida pela agência em reuniões de que participaram a Sociedade Brasileira de Dermatologia e representantes de fabricantes das câmaras de bronzeamento. A Anvisa abriu uma consulta pública, encerrada em março.
Marcus Maia, coordenador do Projeto Nacional de Controle do Câncer de Pele da Sociedade Brasileira de Dermatologia, participou das reuniões e disse que não foi possível banir o produto porque a portaria enfrentaria forte pressão de diferentes grupos. "Seria uma batalha sem efeito."
O chefe do Departamento de Oncologia Cutânea do Hospital do Câncer de São Paulo, Rogério Izar Neves, lamentou que a Anvisa tenha transferido aos médicos a tarefa de avalizar as sessões de bronzeamento artificial.
"A agência jogou para os médicos em vez de assumir uma posição. Aquele que autorizar expõe o paciente a um risco. É o mesmo que autorizar alguém a fumar", compara. "Algumas clínicas contratam médicos desqualificados que avalizam o bronzeamento."
Neves diz que atendeu recentemente um jovem de olhos e pele claros e com pintas que se submeteu durante cerca de quatro anos a sessões frequentes com o aval de um médico e desenvolveu melanoma, o câncer da pele mais agressivo. O procedimento estético é especialmente vetado para pessoas como o paciente.
A Associação Brasileira de Bronzeamento, que representa clínicas e empresas do ramo, se posicionou a favor das novas normas. Cléverson Riggo, presidente do órgão, disse que lamenta apenas o fato de elas "chegarem tardiamente". Para ele, a Anvisa poderia ter criado a regulamentação há mais de um ano, quando o Estado de São Paulo apresentou sua própria norma. Em dezembro de 2000, o CVS (Centro de Vigilância Sanitária) paulista editou portaria parecida com a resolução. O registro, aval médico e termo de consentimentos são exigidos no Estado desde 2001, quando 80 clínicas, só na capital, foram autuadas pela vigilância.
De acordo com Neves, o bronzeamento artificial é mais perigoso do que o banho de sol ao ar livre. Isso porque as câmaras utilizam especialmente radiação UV-A, associada em estudos recentes ao melanoma. Os raios UV-A penetram nas camadas mais profundas da pele, provocando mutações. "Ele também é pior porque não provoca ardor. Você fica se queimando e não sente."
De acordo com dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer), órgão do Ministério da Saúde, os câncer da pele não-melanoma (menos agressivos) são os mais frequentes no país entre todos os tipos de câncer. Mais de 62 mil novos casos neste ano no Brasil.
O câncer da pele do tipo melanoma, apesar de menos frequente (são esperados cerca de 3.000 casos neste ano), é potencialmente fatal se não for descoberto precocemente. "O câncer não vai surgir logo após a exposição, mas em cinco ou até dez anos depois das sessões", diz o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Márcio Rutowitsch.
Para Cláudio Maierovitch, da Gerência Geral de Tecnologia de Produtos para Saúde da Anvisa, a demora no diagnóstico impossibilita responsabilizar as câmaras pelas doenças.


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