São Paulo, Domingo, 24 de Outubro de 1999
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COMPRAS DA USP
O acusado Pierre Basmaji admitiu em depoimento que comprou "banana nanica a preço de camarão"
Professor confessa superfaturamento

Fátima Gigliotti/Folha Imagem
Prédio de Estrasburgo que abriga apartamento da mãe de Basmaji e empresa que fez as compras


da Reportagem Local
da Redação


 Você compraria "banana nanica a preço de camarão"?
 Você compraria equipamentos russos sem marca por um preço superior ao de uma empresa conhecida norte-americana?
 Você compraria máquinas da Rússia por intermédio de uma empresa cujo endereço é o de um café em Estrasburgo, na França, chamado Via Brasilia?
 Você compraria da Rússia só para ajudar cientistas de lá que vivem em estado de penúria?
A Universidade de São Paulo comprou, pagou, descobriu o caso e arquivou-o.
Chama-se Pierre Basmaji o pivô das compras superfaturadas. De origem síria, com pós-doutorado na França, Basmaji ingressou na USP em 1989. Um ano depois, começou a fazer compras para o Grupo de Semicondutores, que pesquisa microcircuitos para computadores. Só oito anos mais tarde, quando os boatos de superfaturamento já circulavam por departamentos de física de todo o país, o Instituto de Física de São Carlos decidiu instaurar sindicância. Quatro meses de investigação, de julho a outubro de 98, revelaram uma espécie de universo paralelo no uso da verba pública.
Depois de uma série de negativas, Basmaji confessou à comissão de sindicância:
 Comprou os equipamentos "para ajudar os russos" porque "morou três meses lá na Rússia e viu a miséria em que viviam (...)"
 Comprou "banana nanica a preço de camarão". Pagou U$ 25,5 mil por uma máquina chamada capacímetro que custou, na verdade, só US$ 7 mil. Quando Vanderlei Bagnato, membro da comissão, disse-lhe que "fica parecendo que alguém levou dinheiro", Basmaji reconheceu: "não foi uma boa compra".
 Seu irmão Michel trabalha para as duas empresas francesas que intermediaram as importações da Rússia.
Ao explicar onde foi parar a diferença de US$ 18,5 mil na compra do aparelho, Basmaji contou uma história mirabolante. Disse que os russos teriam dado a ele 3 kg de arsênico, material altamente tóxico usado na forma de arseneto de gálio para promover o crescimento de cristais, com os quais são feitos os semicondutores de computadores.
Basmaji relatou à comissão o contrabando: disse que embarcou em Paris com a carga "porque o policial da alfândega o conhecia".
"É expressamente proibido transportar arsênico em aviões. Ele é embalado em cápsulas de vidro, muito protegidas. Se a cápsula se rompesse, o arsênico mataria todos no avião", explica o físico Alfredo Gontijo de Oliveira, chefe de um laboratório na Universidade Federal de Minas Gerais, similar ao de São Carlos.
O volume de arsênico também soa fantasioso, segundo Oliveira, que fez pós-doutorado na Suíça e na Inglaterra. O laboratório mineiro consome 200 gramas por ano de arsênico. Os três quilos que Basmaji diz ter trazido durariam 15 anos. "Ninguém faz estoque de 15 anos. Aparece produto melhor no mercado. É um negócio altamente improvável", diz.
Nada disso foi questionado na sindicância, embora a comissão fosse formada só por físicos com doutorado. Nem o contrabando foi notado.
Fátima Gigliotti, enviada especial da Folha a Estrasburgo, oeste da França, descobriu coisas piores (leia reportagem abaixo).
Uma das empresas citadas por Basmaji é uma imobiliária chamada Jumana. A outra empresa é um café batizado de Via Brasilia. O irmão de Basmaji não trabalha para as duas firmas, como admitira o professor. Na verdade, ele é o dono dos negócios.
O Instituto de Física só decidiu investigar o superfaturamento depois que Basmaji processou outro professor, Alaor Chaves. Acusou-o de calúnia e difamação. A ação é de março de 1998. A sindicância começou quatro meses depois.
No concurso de Basmaji para professor titular, o topo da carreira acadêmica, Chaves perguntou-lhe sobre os boatos de superfaturamento. Basmaji considerou a pergunta ofensiva. A Justiça decidiu que não houve calúnia.
Na sindicância, Basmaji diz que fez tudo com o consentimento do coordenador do Grupo de Semicondutores, Oscar Hipólito. Físico de renome, Hipólito contou à comissão que sabia que um irmão de Basmaji trabalhava nas empresas que intermediaram as compras, mas não fez nada. Ele era o responsável pelas contas diante dos financiadores do estudo: a Finep e a Fapesp. À Folha, Hipólito disse que não sabia de nada.
Durante a sindicância, um professor propôs que se promovesse um acerto entre as partes, encerrando as investigações.
Não foi o que ocorreu, mas foi quase isso. O professor Vanderlei Bagnato disse que, como "não houve roubo", "a situação deve ser caracterizada como má compra". Perguntou ao suspeito se ele concordava com a idéia. Basmaji, claro, concordou.
O procurador-chefe da USP, João Alberto Del Nero, endossou a tese. Como Basmaji demitiu-se, diz ele, não há nada a fazer.
(JOSIAS DE SOUZA e
MARIO CESAR CARVALHO)


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