|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PASQUALE CIPRO NETO
"Este", "aquele" e "embora"
Na última terça-feira,
mestre Clóvis Rossi fez estas
observações em sua prestigiada
coluna: "No mercado (...), a lógica
é mais ou menos assim: se Lula já
está eleito, mas só começa a governar no dia 1º de janeiro (se a
data de posse não for alterada), o
que podemos cobrar dele? Resposta -de resto óbvia: nomes. E nomes bem específicos: o do ministro da Fazenda e o do presidente
do Banco Central (há quem diga
que este é mais importante do que
aquele, embora seja da alçada do
ministro nomear e demitir o presidente do BC, e não o inverso)".
Pergunto-lhe, caro leitor: quem
é "este" e quem é "aquele", ou seja, quem é mais importante (na
visão de quem compõe o "há
quem diga")? Parece claro que na
visão dessas pessoas o presidente
do BC é mais importante do que o
ministro da Fazenda.
Como se chega a essa conclusão? Pelos pronomes "este" e
"aquele". Quando se citam dois
elementos, retoma-se o último, ou
seja, o mais próximo, pelo pronome "este" (ou "esta", "estes", "estas"). O primeiro elemento citado,
isto é, o mais distante, é retomado
por "aquele" (ou "aquela" etc.).
No texto de Rossi, o último dos
dois elementos citados é o presidente do BC, retomado por "este".
"Aquele", portanto, só pode ser o
ministro, mais distante.
O que temos aí é um dos clássicos expedientes de coesão textual.
Que é isso? Recentemente, uma
leitora me procurou, preocupada
com o fato de que, do programa
do concurso público de que participaria, constavam os mecanismos de coesão e de coerência.
"Que é isso, professor?", perguntou-me, aflita, a leitora. Um texto
é coeso (os dicionários dizem que
a pronúncia culta é "coéso"; use-a, se tiver coragem) quando suas
partes são ligadas de tal modo
que não seja preciso voltar e reler
para que se saiba de quem ou de
que se fala. No trecho de Rossi, há
um exemplo de coesão feita com o
emprego adequado de elementos
anafóricos (aqueles que se referem a termos já citados).
Aparentemente banal, o emprego dos anafóricos muitas vezes
deixa confuso o leitor. Basta que
se use mal um "ele", um "o" ou
um "que", por exemplo, para que
não se saiba de quem se fala. Em
"O pai do diretor, que prometeu
resolver o problema...", por exemplo, a quem se refere o "que"?
Voltando ao trecho de Rossi, vale a pena lembrar que, levando
em conta o uso de "embora", pode-se confirmar a quem se referem os pronomes "este" e "aquele". Vejamos: "...embora seja da
alçada do ministro nomear e demitir o presidente do BC". Ora, se
foi bem empregada, a conjunção
"embora" contrapõe duas idéias:
o ministro da Fazenda nomeia e
demite o presidente do BC, embora seja menos importante do que
seu "subalterno" (na visão de certas pessoas, é bom que se diga).
Pronto, Sara (a leitora que me
procurou)! Você acaba de ver um
(bom) exemplo de coerência textual. Também aparentemente
banal, o emprego dos elementos
que estabelecem o nexo entre as
idéias derruba muita gente. Não é
por acaso que os vestibulares de
ponta têm insistido nisso, sobretudo para exigir dos candidatos a
percepção de determinadas contradições decorrentes do mau emprego de palavras e expressões como "embora", "portanto", "exceto", "mas", "sem que" etc. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail -
inculta@uol.com.br
Texto Anterior: 1º encontro foi na Detenção Próximo Texto: Trânsito: Obra interdita Cebolão, Castello e as marginais Índice
|