São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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DANUZA LEÃO

As descobertas

Ela decidiu pela liberdade. Chega de ficar casada, com um marido chegando em casa todos os dias à mesma hora, dizendo as mesmas coisas, contando os aborrecimentos no trabalho, sempre os mesmos. É bem verdade que ele sempre foi assim, e que no começo ela achava graça em tudo, mas passou. Passou porque as coisas passam.
Segundo uma amiga, a decisão de se separar tem que ser tomada antes dos 40, enquanto está com tudo em cima, e pronta -prontinha- para começar tudo de novo. Ah, acordar de manhã, mandar os filhos para o colégio e ficar em casa só, absolutamente só, podendo fazer do seu dia -e da vida- exatamente o que quer, existe felicidade maior? Não, não e não.
Sem marido, a primeira providência que toma é dispensar a empregada e contratar uma diarista três vezes por semana. Nada de homem reclamando que a comida está sem sal, nem supermercado, nem feira; agora são só congelados, cada criança escolhe o seu, pela etiqueta, bota no microondas, e fim de papo. Não gostou? Para isso é que existem as pizzarias.
Ela se prepara, gloriosamente, para reviver seus tempos de adolescente, agora uma adolescência madura e consciente, dando o devido valor à coisa mais importante da vida: a liberdade.
Toma as providências de costume: começa a malhar numa academia, a passar fome para ficar um fiapo e faz uma escova progressiva (nada como ter o cabelo liso como um macarrão, igual ao das manequins que vê na revista); só não percebe que poderia perfeitamente ter feito todas essas coisas casada, mas mulher é assim mesmo, pensa que não faz as coisas por causa do marido.
E começam as pequenas aventuras -afinal, foi para isso que se separou. O primeiro dura uma semana, o segundo, três dias, e o terceiro, depois de uma bela noite num motel, desaparece sem nem um telefonema. Onde estão os homens com que tanto sonhou, que mandariam flores no dia seguinte e com quem passaria fins de semana gloriosos em praias do outro mundo? Será que esses homens existem mesmo ou é tudo coisa de revista feminina, que fica botando caraminholas em cabeça de mulher que não tem o que fazer? Talvez o problema seja este: não ter o que fazer. Mesmo sem precisar, ela precisa inventar uma profissão.
Bom gosto sempre teve, e uma queda por moda e decoração. Fala com o pai, que promete dar uma força. Força financeira, é claro.
Ela se empolga; se atira de cabeça nos classificados, encontra uma loja para alugar num local divino, faz o contrato, e depois de noites em claro, descobre que sua vocação é mesmo a moda, como não tinha pensado nisso antes? Começa a inventar uma decoração moderníssima, procura uma antiga costureira que tem um exército de outras costureiras amigas e começa a criar a coleção. A inauguração é um sucesso -afinal, ela conhece todo mundo-, e se o resultado financeiro dos três primeiros meses não é estrondoso, é que no começo tudo é mesmo complicado. Nem Dior teve sucesso no início da carreira.
O problema mesmo foi com a burocracia. Tudo tinha que ter nota fiscal: os tecidos, os botões, os zíperes, a linha, o paetê, e ainda tinha o alvará (abriu no peito), a carteira de trabalho das funcionárias e uns 487 impostos. Pensava -doce ilusão- que era só criar, vender, botar o lucro no bolso e pronto. Foi se enrolando, se enrolando, e descobriu que não tinha vocação nem para ser casada nem para ser solteira, nem para passar o dia sem ter o que fazer nem para trabalhar, que era totalmente sem rumo e que, decididamente, não sabia o que queria da vida.
Coisa, aliás, banal, e bem mais comum do que se imagina.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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