São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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PARENTES DESAPARECIDOS

Após separação forçada, retomada do convívio é processo marcado por estranhamento

Reencontro não encerra drama de famílias

ALESSANDRA KORMANN
DA AGÊNCIA FOLHA

"O convívio com uma criança não volta mais. É um espaço vazio. Por que não me deram o direito de conviver com meu filho todo esse tempo?", pergunta o médico Toshio Toyota, 52, prefeito de Novo Horizonte (a 429 km de São Paulo), que reencontrou o filho dez anos depois de a criança ter desaparecido, levada pela mãe.
O drama do desaparecimento terminou, mas, para o médico e seu filho Victor, hoje com 14 anos, começa uma nova fase difícil: a da adaptação. Pai e filho não construíram uma história juntos, não descobriram as afinidades nem se acostumaram com as diferenças. Agora tentam superar o estranhamento mútuo.
É a mesma situação pela qual devem passar o garoto Pedrinho e seus pais. Em 21 de janeiro de 1986, o bebê Osvaldo Martins Jr., chamado de Pedrinho pelos pais biológicos, foi levado de uma maternidade de Brasília quatro horas depois de nascer.
O drama dos pais Jayro Braule Pinto e Maria Auxiliadora terminou com teste de DNA que comprovou que Pedrinho -que vivia com Vilma Martins Costa em Goiânia- era o filho que procuraram por mais de 16 anos.
Vilma, a mãe de criação de Pedrinho, é acusada de ter sequestrado o garoto. Pedrinho teve apenas um encontro com os pais biológicos e se mostra dividido.
Longe da atenção da mídia, dramas semelhantes se desenrolam todos os dias. Só no Estado de São Paulo foram registradas 16.382 ocorrências de desaparecimentos e encontradas 9.377 pessoas este ano, de acordo com dados da Delegacia de Pessoas Desaparecidas.
No caso do médico Toyota, a busca de dez anos terminou em abril, quando finalmente encontrou Victor, que havia sido levado pela mãe para a Espanha quando tinha quatro anos.
O garoto, agora com 14 anos, chegou ao Brasil em julho para passar as férias escolares e resolveu ficar no país por um ano. As diferenças entre ele e o pai já começaram a aparecer. "Estamos nos acostumando, temos temperamentos diferentes", diz Victor.
Para a psicóloga Isabel Kahn, professora de terapia familiar da PUC-SP e que atua também em abrigos e na Vara da Infância e Juventude em questões de adoção, um dos problemas que ocorrem quando membros da família se separam por muito tempo são as expectativas frustradas.
"Os pais projetam sobre os filhos um monte de expectativas, e é na convivência diária que a família vai se adaptando à realidade da criança. Uma família que fica longe do filho fica só com as fantasias", disse.
Quando há o encontro, as coisas normalmente são diferentes do que se imaginava, o que acaba provocando estranhamento.
É o caso da família da jornalista Mariane, 35, que só com 27 anos conheceu a irmã Júlia (nomes fictícios), há quase sete anos. A mãe delas teve Mariane com 16 anos. Quando veio a gravidez de Júlia, um ano depois, a avó resolveu doar a criança sem o consentimento da mãe.
"Minha mãe procurou minha irmã a vida inteira, e, quando a encontrou, elas não se entenderam muito bem, pois ela era muito diferente da gente", disse Mariane. Para Júlia, criada em Catanduva, no interior de São Paulo, a adaptação também foi complicada. "As pessoas imaginam uma coisa, você imagina outra, pensa que é tudo um mar de rosas e, na realidade, cada pessoa tem um gênio, um hábito diferente."
As famílias que encontram algum parente desaparecido também têm em comum a sensação de que é impossível recuperar o tempo perdido.
"O tempo que passou não volta, mas também não dá para pegar esse tempo que a pessoa viveu e jogar fora, porque ele pode voltar como pesadelo, como doença", afirma a professora da PUC.
Dani (o nome também é fictício, para preservar a menina), 14, prefere não falar sobre o que aconteceu nos dois anos e quatro meses que passou longe de casa. A mãe, Ana, conta que ela foi levada por uma mulher quando brincava perto de casa, em Osasco (Grande São Paulo). Sofreu maus tratos e teve de trabalhar para comer.
Dani sumiu em janeiro de 1996. Sua mãe nunca desistiu de procurá-la. Sua foto chegou a ser mostrada na novela "Explode Coração", da Rede Globo, que tratou do tema e ajudou a localizar cerca de 70 crianças desaparecidas.
Quando Dani conseguiu escapar, no Dia das Mães de 1998, foi encontrada dormindo em um banco de praça. "Ela voltou diferente, mais nervosa", diz a mãe. Para a menina Isabela (nome fictício), 10, os quatro anos que passou longe da mãe não trouxeram saudade. "Ela me batia muito", diz. Quando tinha sete anos, a menina foi levada pelo pai.
Denise, a mãe, nega que batesse na garota. Elas se reencontraram há cerca de um mês, depois que Isabela foi localizada por meio da matrícula na escola. "No começo, ela estava meio arredia. O abraço não saía", afirma Denise, que vive a experiência de se adaptar à própria filha.


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