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PASQUALE CIPRO NETO
Está na hora de a (da) onça beber água
No fim da última coluna,
cochilei na montagem do
texto. Escrevi "...que o sujeito pode se apresentar de diversas maneiras". Depois mudei (ou melhor, quis mudar) para "...que a
função de sujeito pode se apresentar de diversas...", mas deixei de
cortar o "o" que antecedia "sujeito", e o que acabou saindo foi
"...que a função de o sujeito pode
se apresentar de diversas...". O
Diabo mora nas Redações...
O fato é que o cochilo deixou intrigados alguns leitores. Alguns
deles viram na esdrúxula construção "...a função de o sujeito pode se apresentar..." algo semelhante ao que se vê em frases como "Está na hora de a onça beber
água" ou "O fato de o presidente
não admitir que sabia de tudo...",
nas quais se separa do artigo que
faz parte do sujeito a preposição
("de", no caso) que introduz a
oração que tem o verbo no infinitivo ("beber" e "admitir").
Vamos tentar traduzir tudo isso, começando por um ponto importante: uma coisa nada tem
que ver com a outra. O que houve
no fim da última coluna foi mesmo cochilo na montagem do texto, o que, por sinal, é muito comum na era do computador. Não
existe a construção "...a função de
o sujeito pode se apresentar...".
E quanto às frases "É hora de a
onça beber água" e "O fato de o
presidente não admitir..."? Como
se explica a forma "de o"? Pense
neste caso: "Apesar de terem sido
extraviadas as amostras analisadas, parece claro que...". Qual é o
sujeito de "terem sido extraviadas"? É o termo "as amostras
analisadas", posposto ao verbo.
Se for anteposto (ao verbo), esse
termo poderá conservar a mesma
forma, ou seja, "as amostras analisadas". O resultado disso será a
construção "Apesar de as amostras analisadas terem sido extraviadas...", em que a preposição
"de" não se funde com o artigo
"as", que inicia o sujeito da oração, cujo verbo auxiliar ("terem")
está no infinitivo (pessoal).
A esta altura, o leitor talvez
queira saber se é obrigatória a
manutenção da preposição separada do artigo. A julgar pelo que
se vê nos clássicos e nos modernos,
a contração da preposição com o
artigo (ou com alguns pronomes,
como "ele", "ela", "este", "esta"
etc.) é mais do que comum.
Em sua "Moderna Gramática
Portuguesa", o professor Evanildo
Bechara arrola diversos exemplos
em que ocorre essa contração. Vejamos dois desses exemplos: "Só
voltou depois do infante estar
proclamado regedor" (de Alexandre Herculano); "...no caso do infinitivo trazer complemento direto" (de Epifânio Dias, importante
estudioso da língua).
Convém lembrar que, na linguagem escrita formal, predomina a construção em que a preposição não se funde com o artigo
ou com alguns pronomes ("ele/a",
"este/a", "isso", "aquilo" etc.) Nos
textos jornalísticos modernos, por
exemplo, a separação ocorre em
quase 100% dos casos.
Convém lembrar também que
essa questão só faz sentido quando se trata de preposição que introduz oração que tenha verbo no
infinitivo. Não existe a menor
possibilidade de que se separe a
preposição do artigo em frases como "Ninguém acredita na versão
do presidente" ou "O governo do
PT é pior do que todos os que a
agremiação sempre criticou".
Ainda há algo a dizer sobre o tema. Mais cedo ou mais tarde será
conveniente voltar a ele. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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