São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

Está na hora de a (da) onça beber água

No fim da última coluna, cochilei na montagem do texto. Escrevi "...que o sujeito pode se apresentar de diversas maneiras". Depois mudei (ou melhor, quis mudar) para "...que a função de sujeito pode se apresentar de diversas...", mas deixei de cortar o "o" que antecedia "sujeito", e o que acabou saindo foi "...que a função de o sujeito pode se apresentar de diversas...". O Diabo mora nas Redações...
O fato é que o cochilo deixou intrigados alguns leitores. Alguns deles viram na esdrúxula construção "...a função de o sujeito pode se apresentar..." algo semelhante ao que se vê em frases como "Está na hora de a onça beber água" ou "O fato de o presidente não admitir que sabia de tudo...", nas quais se separa do artigo que faz parte do sujeito a preposição ("de", no caso) que introduz a oração que tem o verbo no infinitivo ("beber" e "admitir").
Vamos tentar traduzir tudo isso, começando por um ponto importante: uma coisa nada tem que ver com a outra. O que houve no fim da última coluna foi mesmo cochilo na montagem do texto, o que, por sinal, é muito comum na era do computador. Não existe a construção "...a função de o sujeito pode se apresentar...".
E quanto às frases "É hora de a onça beber água" e "O fato de o presidente não admitir..."? Como se explica a forma "de o"? Pense neste caso: "Apesar de terem sido extraviadas as amostras analisadas, parece claro que...". Qual é o sujeito de "terem sido extraviadas"? É o termo "as amostras analisadas", posposto ao verbo. Se for anteposto (ao verbo), esse termo poderá conservar a mesma forma, ou seja, "as amostras analisadas". O resultado disso será a construção "Apesar de as amostras analisadas terem sido extraviadas...", em que a preposição "de" não se funde com o artigo "as", que inicia o sujeito da oração, cujo verbo auxiliar ("terem") está no infinitivo (pessoal).
A esta altura, o leitor talvez queira saber se é obrigatória a manutenção da preposição separada do artigo. A julgar pelo que se vê nos clássicos e nos modernos, a contração da preposição com o artigo (ou com alguns pronomes, como "ele", "ela", "este", "esta" etc.) é mais do que comum.
Em sua "Moderna Gramática Portuguesa", o professor Evanildo Bechara arrola diversos exemplos em que ocorre essa contração. Vejamos dois desses exemplos: "Só voltou depois do infante estar proclamado regedor" (de Alexandre Herculano); "...no caso do infinitivo trazer complemento direto" (de Epifânio Dias, importante estudioso da língua).
Convém lembrar que, na linguagem escrita formal, predomina a construção em que a preposição não se funde com o artigo ou com alguns pronomes ("ele/a", "este/a", "isso", "aquilo" etc.) Nos textos jornalísticos modernos, por exemplo, a separação ocorre em quase 100% dos casos.
Convém lembrar também que essa questão só faz sentido quando se trata de preposição que introduz oração que tenha verbo no infinitivo. Não existe a menor possibilidade de que se separe a preposição do artigo em frases como "Ninguém acredita na versão do presidente" ou "O governo do PT é pior do que todos os que a agremiação sempre criticou".
Ainda há algo a dizer sobre o tema. Mais cedo ou mais tarde será conveniente voltar a ele. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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