São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

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Gari que devolveu R$ 12 mil quer tratar da coluna

CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CARIACICA

Em vez de elogios, críticas e até depressão. Quase um mês após devolver R$ 12.366 que encontrou ao varrer uma rua, o gari de Cariacica (região metropolitana de Vitória, ES) Sebastião Breta, 43, diz carregar o "peso da honestidade".
O gari Tião, como é conhecido, disse não passar um dia sem ouvir "um bocado de gente" censurar a devolução do dinheiro, o que o deprimiu.
Ele evitou se estender sobre sua chateação. Procurou mostrar que também foi parabenizado. "Teve gente que eu nem conhecia que foi lá em casa me dar os parabéns", disse.
Coube ao chefe de Tião descrever as críticas que ele sofreu. "Chamaram-no de burro, disseram que merece apanhar na vida pela burrada que fez", disse Antônio Firmino, encarregado do serviço de limpeza.
Também não faltaram críticas para o chefe de Tião, por ter localizado o dono do dinheiro. "Fui a uma feira e o pessoal ficou falando: "Olha o burro de Bela Aurora [bairro de Cariacica]. Você deveria ter convencido Tião a não devolver o dinheiro'", conta Firmino.
Gari há três anos no Espírito Santo, o mineiro Tião disse que após o episódio começou até a fraquejar no trabalho. "Estou prá baixo. Cheguei a pensar em comprar um carro, mas pensei: se comprar, não é meu. Se comprar uma casa, também não é minha", disse ele, que recebe um salário mínimo (R$ 350) por mês.

Melhor coisa
Depois de ter devolvido o dinheiro, o gari disse que a melhor coisa que ocorreu em sua vida foi uma viagem de avião a São Paulo, paga por uma emissora de televisão.
"O avião era bonito demais. Achei muito legalzinho e a poltrona era maneira." O gari contou que ficou famoso após aparecer na TV. "Minha família em Minas até chorou quando me viu. O pessoal me chamou de celebridade."
Sua aparição televisiva também lhe rendeu um tratamento para a coluna em uma clínica particular de Vitória -ele tem uma infecção no local há oito anos. Contudo, ainda não iniciou o tratamento. "Gosto de fazer tudo direitinho. Se faltar ao serviço, bagunço o horário dos meninos [os nove garis com quem trabalha]. Vou tentar fazer em 2007", afirmou.
O dono do dinheiro, Aílton Ronconi, deu R$ 1.000 e um ano de cesta básica para Tião. O dinheiro está guardado na lotérica de Ronconi e deve ser usado para Tião comprar sua parte no terreno da família da mulher, onde vive há três anos.
No dia de Natal, Tião completa 44 anos sem esperar nada especial. "Em um espaço de tempo as pessoas vão esquecer dessa história. Mas valeu a pena. Senti o gostinho de ter tanto dinheiro junto e já está bom demais da conta", disse.


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