São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Boa ação é questão de princípio, diz especialista

Mais que coragem ou fama, pessoas seguem instintos e lições familiares

"Quando encontramos alguém que foge à regra, nos sentimos tocados porque todo mundo tem o arquétipo do herói em si"

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os heróis que ganham espaço nos jornais por causa de suas boas ações e deixam de ser anônimos servem como uma espécie de "lembrete" à sociedade de que nem tudo está perdido. "Em meio à era de individualismo e falta de educação na qual vivemos, gestos que demonstram preocupação com o próximo acabam resgatando nossos sentimentos de solidariedade", afirma Eduardo Ferreira-Santos, psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
"Atitudes como as do homem que pulou no rio Pinheiros para salvar uma criança ou dos índios que entraram na floresta para resgatar os corpos do acidente aéreo destoam do comportamento geral e chamam atenção." Para ele, o Brasil é carente de heróis e, quando aparece uma história com final feliz, a sociedade se sente atraída. "Não temos heróis na política e, agora, nem no futebol, afinal perdemos a Copa do Mundo."
Ele lembra que, hoje, a maioria das pessoas não dá mais lugar para um idoso no metrô, não cumprimenta os vizinhos no elevador. "É falta de gentileza, de educação, de solidariedade. Mas, quando encontramos alguém que foge à regra, nos sentimos tocados porque todo mundo tem o arquétipo do herói dentro de si."
Os heróis, por sua vez, não agem em busca da fama ou movidos pela coragem. Eles seguem os instintos e, principalmente, a índole aprendida com a família. "Quando alguém devolve um dinheiro que encontrou, está seguindo aquilo que o pai e a mãe ensinaram. É uma questão de princípios."
Foi por seguir seu "instinto de paternidade" que o analista de sistemas Adriano Levandoski de Miranda pulou no rio Pinheiros há quinze dias, quando completava 27 anos, para salvar um garoto de três anos. Ele não gosta do título de herói. Diz que não fez mais do que obrigação.
Com um filho de dois anos, afirma que nunca ficaria com a consciência em paz se não ajudasse a criança. "Nem pensei nos riscos. Peguei uma moto e cheguei na beira do rio, entrei na água e agarrei o menino. Só depois percebi os perigos."
Estampado nos jornais, ele diz não gostar dessa fama repentina, mas quer que em 2007 haja mais boas notícias. "Nesse ano a gente só ouviu falar de coisas ruins. Acho que é por isso que as pessoas gostam tanto de histórias que acabam bem", afirma. "Meu desejo é o de que o próximo ano seja de menos violência e mais notícia boa."
Na manhã do dia 9, quando passava pela ponte João Dias à caminho do trabalho, Miranda viu que uma mulher havia se atirado no rio com uma criança. Imediatamente, furtou uma moto, parada com a chave no contato enquanto seu dono observava a cena.
Chegou à margem do rio e entrou na água suja. "O menino se agarrou à mim e conseguimos sair da água. A mãe teve ajuda de outras pessoas", conta. "Não sou herói. Fiz o que qualquer um faria."
Miranda não teve mais oportunidade de ver o menino. "Quero vê-lo antes do Natal, apresentar meu filho e levar um presentinho", contou à Folha, na terça-feira. "O encontro deverá ser no fim de semana. Será um Natal com final feliz para todos nós."


Texto Anterior: Índios caiapós voltaram à floresta para homenagear mortos do acidente da Gol
Próximo Texto: Saúde/ Psicologia: Atividade lúdica melhora condição de criança doente
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.