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ARTIGO
Do Minhocão à Luz, SP é cidade para fazer amigos
GRIT EGGERICHS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Moro num lugar que os paulistanos parecem não gostar. As
entradas dos hotéis são vigiadas
por senhores-senhoras em vestidos que nem dá para ver. Jovens fazem fogueira na calçada.
O lugar fica perto de dois tentáculos de um monstro mitológico brasileiro que carrega milhares de carros durante o dia.
À noite, a via elevada de nome Minhocão vira zona de pedestres,
com cheiro de suor e maconha.
Como eu corro, foi nessa pista
que comecei a descobrir a cidade. De lá, dá para ver muita coisa que, sem o Minhocão, estaria
fora do alcance: uma senhora
cantarola, lavando louça no nível da via; uma sacada neoclássica que virou mata cultural; o
bate-papo entre ciclistas e moradores debruçados da janela.
Já perdendo o fôlego na altura do castelinho da rua Apa, virei para retornar.
Abriu-se uma
vista surpreendente: o corredor
da São João sobe para o primeiro arranha-céu do Brasil, ainda
em plena iluminação de Natal.
No dia seguinte recebi o aviso
de um colega de trabalho: "Não
digo que você não pode correr
lá. Mas é perigoso".
Um lugar recomendado é o
parque da Luz. Mesmo que tenha de vencer uma faixa de insegurança chamada cracolândia. Mas, no parque, a sensação
é de estar no paraíso. Com palmeiras, pássaros e esculturas, "é
um oásis para respirar fundo",
diz Maria do Carmo, sentada
num banco. "Era mulher da vida, mas estou aposentada. Tenho 63." Não parece. Ela tem a
pele lisa, rosto sorridente, maquiagem decente. "Sempre cuidei de mim, nunca peguei doença porque usava camisinha e
desde jovem depositava para a
aposentadoria particular."
O que gosto muito nos brasileiros: eles falam francamente e
é fácil fazer amizade com eles.
Um lugar onde um gringo vai
fazer amigos à primeira vista é a
rua 25 de Março. "Amigão, três
cuecas por dez", "amiga, sacola
barata". O jovem Robson instalou seu império de CDs piratas
sobre dois pilares de papelão.
Tem que correr porque a fiscalização está chegando.
As senhoras Nadja, Rita, Erci,
Dora, Enerdite e Dilza, todas
com a mesma camiseta de cor
laranja -"Venha viver Sergipe!"-, estão fazendo um cruzeiro pelo Brasil e vão até Buenos
Aires. Vieram à rua "porque é
famosa -tudo pela metade do
preço". De repente ficam irritadas com a correria. Têm de ter
cuidado para não ser atropeladas pelos ambulantes galopando com sacolas de controles remotos e cestas para animais.
Recentemente, conversei
com o sapateiro Cido Fernandes na rua Aurora. A sapataria
tem 75 anos no mesmo lugar:
"Mudou muito, mas gosto daqui.
Gosto de agitação..."
Como gosto de agitação também, daqui a pouco vou ser
grande amiga da cidade.
GRIT EGGERICHS é jornalista alemã
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