São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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ARTIGO

Do Minhocão à Luz, SP é cidade para fazer amigos

GRIT EGGERICHS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Moro num lugar que os paulistanos parecem não gostar. As entradas dos hotéis são vigiadas por senhores-senhoras em vestidos que nem dá para ver. Jovens fazem fogueira na calçada. O lugar fica perto de dois tentáculos de um monstro mitológico brasileiro que carrega milhares de carros durante o dia.
À noite, a via elevada de nome Minhocão vira zona de pedestres, com cheiro de suor e maconha. Como eu corro, foi nessa pista que comecei a descobrir a cidade. De lá, dá para ver muita coisa que, sem o Minhocão, estaria fora do alcance: uma senhora cantarola, lavando louça no nível da via; uma sacada neoclássica que virou mata cultural; o bate-papo entre ciclistas e moradores debruçados da janela. Já perdendo o fôlego na altura do castelinho da rua Apa, virei para retornar.
Abriu-se uma vista surpreendente: o corredor da São João sobe para o primeiro arranha-céu do Brasil, ainda em plena iluminação de Natal. No dia seguinte recebi o aviso de um colega de trabalho: "Não digo que você não pode correr lá. Mas é perigoso".
Um lugar recomendado é o parque da Luz. Mesmo que tenha de vencer uma faixa de insegurança chamada cracolândia. Mas, no parque, a sensação é de estar no paraíso. Com palmeiras, pássaros e esculturas, "é um oásis para respirar fundo", diz Maria do Carmo, sentada num banco. "Era mulher da vida, mas estou aposentada. Tenho 63." Não parece. Ela tem a pele lisa, rosto sorridente, maquiagem decente. "Sempre cuidei de mim, nunca peguei doença porque usava camisinha e desde jovem depositava para a aposentadoria particular."
O que gosto muito nos brasileiros: eles falam francamente e é fácil fazer amizade com eles. Um lugar onde um gringo vai fazer amigos à primeira vista é a rua 25 de Março. "Amigão, três cuecas por dez", "amiga, sacola barata". O jovem Robson instalou seu império de CDs piratas sobre dois pilares de papelão. Tem que correr porque a fiscalização está chegando.
As senhoras Nadja, Rita, Erci, Dora, Enerdite e Dilza, todas com a mesma camiseta de cor laranja -"Venha viver Sergipe!"-, estão fazendo um cruzeiro pelo Brasil e vão até Buenos Aires. Vieram à rua "porque é famosa -tudo pela metade do preço". De repente ficam irritadas com a correria. Têm de ter cuidado para não ser atropeladas pelos ambulantes galopando com sacolas de controles remotos e cestas para animais. Recentemente, conversei com o sapateiro Cido Fernandes na rua Aurora. A sapataria tem 75 anos no mesmo lugar: "Mudou muito, mas gosto daqui.
Gosto de agitação..." Como gosto de agitação também, daqui a pouco vou ser grande amiga da cidade.

GRIT EGGERICHS é jornalista alemã


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