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PERIGO NO MAR
Diretor reconhece que preocupação com segurança industrial só começou com acidente na baía de Guanabara
Petrobras não renova "cérebros" há 12 anos
CHICO SANTOS
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Interrupção por 12 anos da renovação de pessoal qualificado e
carência de investimentos nas
áreas de segurança industrial e de
meio ambiente, combinados com
um período de grande crescimento das atividades, podem ter criado na Petrobras a conjuntura propícia para a série de acidentes graves que tem atingido a empresa
estatal nos últimos anos.
Nesse espaço de 12 anos (1988-2000) passaram pela empresa 11
presidentes, mas dois terços do
período foram das gestões do último presidente, Joel Mendes Rennó (seis anos), e do atual, Henri
Philippe Reichstul (dois anos).
O acidente da P-36 e os desastres ecológicos da baía de Guanabara (Rio, janeiro de 2000) e do
rio Iguaçu (Paraná, julho de 2000)
ganharam destaque, mas o quadro é ainda mais grave.
De 1998 até agora foram 95
mortes em acidentes de trabalho
na empresa, média de um morto a
cada 12,4 dias. Além disso, somente os três acidentes acima
despejaram nas águas 6,45 milhões de litros de óleo (ou 215 carretas de 30 mil litros lotadas).
Desde a explosão da P-36, especialistas tentam encontrar uma
explicação para a sucessão de desastres que estourou na gestão de
Reichstul e que coincide com o
momento de melhor performance financeira da companhia.
Ela fechou 2000 com o maior lucro já obtido por uma empresa
brasileira: R$ 10,1 bilhões. A produção de petróleo e gás também
bateu recorde, atingindo 1,271 milhão de barris/dia, mais que o dobro dos 617 mil barris/dia de 1989.
Há quem ache que Reichstul paga por erros dos seis anos de Rennó: baixo investimento em manutenção, política salarial restritiva
(com consequente perda de quadros) e supostos privilégios na
contratação de equipamentos envolvendo a pequena Marítima Petróleo. Com capital de R$ 5 milhões, tem contratos superiores a
US$ 2 bilhões, inclusive o da P-36.
"Reichstul é vítima dos erros
dos seus antecessores", afirmou
Adriano Pires Rodrigues, analista
da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro). Para os aliados
de Rennó, as críticas são infundadas. Todos os negócios, dizem, foram feitos com licitação. O próprio Rennó não foi localizado para falar sobre esses comentários.
Um ex-diretor da era Rennó,
que prefere o anonimato, disse
que o aumento recente dos acidentes decorreria do fato de
Reichstul ter priorizado a gestão
empresarial, em detrimento dos
cuidados técnicos, gerando um
certo relaxamento na equipe. O
atual presidente não quis comentar as crítica a sua gestão.
Reichstul é criticado ainda por
ter aumentado em até 100% os salários do pessoal de comando, gerando desmotivação entre a
maioria dos empregados.
O diretor de exploração e produção da estatal, Coutinho Barbosa, afirma que a empresa prepara projeto para reparar a falha.
Coutinho Barbosa admitiu que,
mesmo na gestão da qual ele participa, o cuidado maior com a segurança industrial só foi despertado pela repercussão do acidente
na baía de Guanabara.
"O "start up" (começo) aqui foi o
acidente na baía", disse. "Ficamos
muito tempo sem investir em segurança industrial", afirmou.
Segundo Coutinho, somente no
ano passado a estatal retomou a
política antiga de ir às universidades procurar os melhores formandos em engenharia.
""Um engenheiro que entra na
empresa demanda de dois a três
anos para começar a caminhar
sozinho. Ficamos 12 anos sem
contratar ninguém. As pessoas foram ficando velhas e saindo."
Dois ex-presidentes concordam
com esse diagnóstico: Armando
Guedes Coelho, que comandou a
empresa de junho de 1988 a janeiro de 1989, e Carlos Sant" Anna,
que ocupou o cargo de abril de
1989 a março de 1990.
Coelho discorda da decisão de
interromper as contratações por
12 anos. "O gap (buraco) é claro.
A companhia tem de associar o
espírito inovador dos jovens com
a experiência dos mais vividos."
"A Petrobras não preparou pessoal e caiu na terceirização. Não
acredito que a gestão atual chegou, em dois anos, a preencher essa lacuna", disse Sant'Anna.
A estatal não informa quantos
engenheiros perdeu nos últimos
anos, mas o ritmo acelerado do
encolhimento do quadro de pessoal foi dramático. De 60.028 empregados em 1989 passou para
34.320 no final do ano passado.
O número de terceirizados (41
mil, segundo a empresa) tem hoje
uma relação com o pessoal efetivo
de 1,2 para 1. Segundo os sindicatos de petroleiros, a taxa é 2 para 1.
Os membros da Associação dos
Engenheiros da Petrobras caíram
de 7.000 para 4.500 desde 1995.
A terceirização é hoje um dos temas mais polêmicos na estatal. Os
sindicatos atribuem a ela grande
parte dos acidentes recentes. A estatal nega a relação, mas admite
que o número de problemas entre
os terceirizados é muito superior
ao que atinge o efetivo próprio.
Segundo a Federação Única dos
Petroleiros, 12 dos 16 mortos em
acidentes no ano passado eram
terceirizados. Em 1999, eles representaram 27 dos 28 mortos.
Há discussão também em relação ao alcance da terceirização. A
Petrobrás informa que isso é restrito às atividades periféricas, mas
os sindicalistas sustentam que ela
atingiu a produção de petróleo.
Coutinho Barbosa afirma que a
terceirização é um processo normal no setor. Segundo ele, citando
dados do governo dos EUA, no
golfo do México, de cada dez trabalhadores, oito são terceirizados.
O analista Rodrigues também
defende a terceirização. "Os petroleiros querem a volta da política de pessoal dos anos 50."
Quanto aos gastos com manutenção, ele se alia aos críticos. Disse que nos últimos 20 anos o governo priorizou a busca da auto-suficiência na produção de petróleo e relegou a segundo plano as
demais atividades. "Os investimentos foram direcionados na
proporção de 70% para a produção e de 30% para o resto", afirmou o especialista da UFRJ.
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