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PASQUALE CIPRO NETO
Padrão ou não-padrão?
Na cada vez mais bela Lisboa, perto da Torre de Belém, dos Jerónimos, da "Única
Fábrica de Pastéis de Belém" e de
outras maravilhas, há um monumento dedicado a boa parte dos
grandes nomes da gloriosa história de Portugal. O nome desse
monumento é "Padrão do Descobrimento". "Padrão" (alteração
de "pedrão", aumentativo de "pedra") é o nome que os portugueses
davam aos monumentos e marcos pétreos que costumavam erguer nas terras que descobriam.
No cada vez mais complicado
Brasil, os agentes da Polícia Federal estão em pleno exercício da
"operação padrão". Não, caro leitor, os agentes federais não estão
a erguer monumentos em terras
que não param de descobrir. Estão simplesmente a fazer o que
nem sempre podem fazer: fiscalização completa, pente-fino etc.
Pois bem, caro leitor, permita-me perguntar (afinal, perguntar
não ofende): essa operação é padrão ou não-padrão? Não, você
não está em coluna errada, não.
Meu assunto continua sendo a
língua. O que quero é mostrar como se podem usar as palavras de
acordo com as circunstâncias, como se pode dar a coisas ou fatos o
nome mais conveniente ou ainda
como nomes que deveriam ser
normais parecem anormais.
Se por "padrão" se entende o
que está na lei, a operação que a
PF está a fazer é padrão; se se entende o que é praxe, costumeiro, a
operação é não-padrão. O fato é
que o nome parece mesmo despiste ou conversa para boi dormir.
No fundo, no fundo, esse caso
esconde uma questão típica da
cultura e da realidade brasileiras:
o cumprimento da lei funciona
sempre como ameaça ("Ou você
me dá o que quero ou eu cumpro
a lei, fiscalizo rigorosamente, puno etc."). Triste, não?
Essa inversão "normal/anormal" ou "padrão/não-padrão"
não é rara entre nós. Em São Paulo, por exemplo, existe o rodízio
municipal de veículos. Às vezes,
por motivos de força maior (chuva, greve no metrô etc.), os motoristas são dispensados do cumprimento do rodízio. No rádio, o repórter informa: "Os carros com
placa de final X ou Y podem circular normalmente". Normalmente ou anormalmente? Afinal,
naquele dia da semana é normal
ou anormal que circulem?
Não podemos esquecer o eufemismo, processo pelo qual o nome
"verdadeiro" é trocado por um
mais suave. Os mais velhos certamente se lembram do Plano Cruzado, do Plano Verão e de outras
prestidigitações econômicas por
que este país passou em tempos
não muito distantes. Num deles
(no Verão, se não me engano),
previam-se duas fases para os
preços: a) congelamento; b) flexibilização. Em bom português,
"flexibilização" nada mais é que
um eufemismo para "aumento".
Nossa tradição no assunto
"enrolação oficial" é sólida. Há 20
ou 30 anos, os proprietários de
automóveis tinham de pagar a
TRU, sigla cujo significado era
"Taxa Rodoviária Única". O detalhe: não era única (havia pedágio, imposto sobre os combustíveis para a construção e conservação de rodovias etc.). E o que dizer do P ("Provisória") de CPMF?
Embora existam para simplificar, algumas siglas (especialmente as oficiais) acabam funcionando como verdadeiras máscaras, já
que quase sempre nos acostumamos a elas sem pensar no que efetivamente significam. Comentários sobre o resultado disso parecem dispensáveis. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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