São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 2011

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ENTREVISTA JÚLIO LANCELLOTTI

Dizem que experimentei o veneno que combati

PARA RELIGIOSO, QUE ATUA EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS, CONDENAÇÃO DE ACUSADOS DE TENTAR EXTORQUI-LO TRAZ ALÍVIO

ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO

Conhecido pela atuação entre moradores de rua e menores infratores, o padre Júlio Lancellotti, 62, afirma que muitos dizem que "ele experimentou do veneno que combateu".
A afirmação foi feita ontem, um dia depois da condenação de Anderson Batista, 30, e Conceição Eletério, 45, acusados novamente de tentar extorquir o padre.
O casal, que havia sido inocentado em 2007 por insuficiência de provas, dessa vez foi condenado a sete anos e três meses de prisão.
Imagens de Anderson cercando o padre na porta de casa serviram de base para a condenação em primeira instância. Cabe recurso.
A seguir, os principais trechos da entrevista em que o padre diz que as acusações de pedofilia e abuso sexual foram parte de uma trama.

 

Folha - Como o senhor recebeu a sentença de ontem?
Padre Júlio Lancellotti -
A Justiça se fez tardiamente. Não me alimenta nenhum desejo de vingança. É um momento importante em que a Justiça reconhece os fatos que tanto foram propalados e nem sempre acreditados [de que era vítima de extorsão].

Eles foram condenados por causa de uma imagem?
Não sabia que tinha aquela câmera na minha rua. Quando vi o Anderson, eu estava tão aterrorizado que atravessei a calçada. Ele me seguiu e ameaçou: "Se você pensa que eu vou ficar nessa merda, tá enganado. Eu vou dar um tiro na tua testa". O delegado foi ao local, viu as câmeras e requisitou as imagens. Foi a mão de Deus. Senti um alívio. Finalmente, iam acreditar no que falo.

Como foi lidar com isso?
Foi muito doloroso pelo sofrimento que causou à minha mãe. Ela faleceu em outubro do ano passado. Muita gente disse que eu experimentei do veneno que combati. Muitos festejaram o meu sofrimento.

O fato de defender minorias se voltou contra o senhor?
Acredito que tudo isso tenha a ver com uma trama histórica. Tem aspectos políticos, religiosos, luta por audiência entre emissoras de TV. Tem também o aspecto de destruir a igreja. Minha vida foi vasculhada pela imprensa, pelo Ministério Público, pela polícia, pela Justiça. A própria igreja olhou com muito cuidado.

A acusação de pedofilia contra o senhor caiu terreno fértil por causa de outros escândalos envolvendo padres?
É um assunto em torno do qual tem muito sensacionalismo. Ninguém vai atrás das mais de 50% de crianças que são abusadas pelos familiares. A gente vinha do massacre de moradores de rua em 2004, que até hoje está impune. Vinha da luta pela justiça aos moradores de rua, contra as políticas higienistas. Era um caldo de interesses políticos que me identificavam com uma determinada linha. As causas que abracei, dos direitos humanos e da população de rua, tiveram influência em querer calar a minha voz e me destruir.

Qual foi o seu erro?
Confiar muito. Talvez tenha errado em ter demorado [a reagir] no primeiro episódio. Fui despido publicamente. Triturado, massacrado, linchado. Com muito apoio e fogo da imprensa.

Que lições o senhor tirou?
A grande lição é que a gente é humano e sofre. Que a vida humana ensina que não há amor sem dor.

O que o senhor pensa dos dois, que se dizem inocentes?
Eles sabem que mentira estão contando. Continuam sendo filhos de Deus e meus irmãos. Espero que um dia eles sejam capazes de dizer a verdade para si mesmos e para os outros.


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