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URBANIDADE
Ilustração Vincenzo Scarpellini
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ARTE DA FUGA, FUGA DA ARTE Nos anos 40 Tarsila do Amaral, momentaneamente sem necessidade de declarar e demonstrar, produzia retratos sob encomenda. Um cavalheiro, com pinta perto dos lábios, resolveu se tornar quadro antes de sumir: encomendou, posou e nunca retirou. Novas misérias, velhos arquejos, rancores sem nome ou simples distração? A obra ficou com outra Tarsila, neta e homônima da pintora
(VINCENZO SCARPELLINI)
Bar das lésbicas entra na história
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Na geografia da marginalidade paulistana, há um
lugar reservado para o Ferro's
Bar, bar do centro da cidade que,
durante muito tempo, foi o principal ponto de encontro das lésbicas. Não raro, mulheres movidas
a ciúmes e álcool produziam, naquele ambiente enfumaçado e de
comida duvidosa, madrugadas
memoráveis de pancadaria. De
manhã, porém, tudo deveria estar arrumado para receber a
clientela familiar. Até que viesse
a noite e as mulheres ocupassem,
com seus olhares caçadores, as
mesas.
Encravado numa região de
cantinas italianas frequentadas
por artistas e boêmios, o bar desapareceu, mas está prestes a virar história. Depois de participarem da organização da Parada
Gay, realizada no domingo passado, movimentos de defesa de
lésbicas preparam seu próprio
dia de orgulho, que será comemorado no próximo 19 de agosto.
"Há questões específicas, que devem ser discutidas", diz Miriam
Martinho, coordenadora do grupo Um Outro Olhar.
O marco é a resistência no Ferro's Bar, onde, em 19 de agosto de
1983, foi lançado um manifesto
pelos direitos das lésbicas. Dias
antes do manifesto, o dono do estabelecimento chamou a polícia
e proibiu as mulheres de vender
ali uma publicação chamada
"ChanacomChana", considerada um atentado aos bons costumes. "A proibição era um absurdo. Éramos, afinal, as principais
clientes", comenta Miriam.
Desafiaram a proibição, forçaram a entrada e leram, em meio
a aplausos e assovios, o manifesto. O ambiente, recorda-se Miriam, estava tenso. Muita gente
tinha pavor de ser identificada,
havia imprensa registrando o
protesto. Desde aquele dia, o Ferro's ganhou uma clientela lésbica
mais intelectualizada e politizada. E mais rica. Mas não resistiu.
Embora permaneça a discriminação, os tempos mudaram para
os homossexuais da cidade de
São Paulo, como mostraram os
números da passeata de domingo. Excesso de bebidas, uso demasiado de drogas e prática de
sexo inseguro, comportamentos
tão louvados no passado pela
marginalidade, são hoje condenados pelos padrões do politicamente correto. A entidade Um
Outro Olhar, coordenada por
Miriam, é um exemplo: sua missão é cuidar da saúde das lésbicas, a maioria delas, segundo
descobriram, nem sequer fala
com os médicos sobre suas preferências sexuais.
O Ferro's, onde agora funciona
o bar Xingu, ganhou concorrência de lugares nos bairros de elite,
com uma cozinha mais confiável
e garçons respeitosos, acompanhando o movimento de abandono do centro -eram tempos
em que apenas um bar atendia à
clientela de mulheres homossexuais e, se alguém dissesse que
800 mil pessoas iriam a uma parada gay na aristocrática av.
Paulista, seria tido por maluco.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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