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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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URBANIDADE

Ilustração Vincenzo Scarpellini
ARTE DA FUGA, FUGA DA ARTE Nos anos 40 Tarsila do Amaral, momentaneamente sem necessidade de declarar e demonstrar, produzia retratos sob encomenda. Um cavalheiro, com pinta perto dos lábios, resolveu se tornar quadro antes de sumir: encomendou, posou e nunca retirou. Novas misérias, velhos arquejos, rancores sem nome ou simples distração? A obra ficou com outra Tarsila, neta e homônima da pintora (VINCENZO SCARPELLINI)


Bar das lésbicas entra na história

GILBERTO DIMENSTEIN

COLUNISTA DA FOLHA

Na geografia da marginalidade paulistana, há um lugar reservado para o Ferro's Bar, bar do centro da cidade que, durante muito tempo, foi o principal ponto de encontro das lésbicas. Não raro, mulheres movidas a ciúmes e álcool produziam, naquele ambiente enfumaçado e de comida duvidosa, madrugadas memoráveis de pancadaria. De manhã, porém, tudo deveria estar arrumado para receber a clientela familiar. Até que viesse a noite e as mulheres ocupassem, com seus olhares caçadores, as mesas.
Encravado numa região de cantinas italianas frequentadas por artistas e boêmios, o bar desapareceu, mas está prestes a virar história. Depois de participarem da organização da Parada Gay, realizada no domingo passado, movimentos de defesa de lésbicas preparam seu próprio dia de orgulho, que será comemorado no próximo 19 de agosto. "Há questões específicas, que devem ser discutidas", diz Miriam Martinho, coordenadora do grupo Um Outro Olhar.
O marco é a resistência no Ferro's Bar, onde, em 19 de agosto de 1983, foi lançado um manifesto pelos direitos das lésbicas. Dias antes do manifesto, o dono do estabelecimento chamou a polícia e proibiu as mulheres de vender ali uma publicação chamada "ChanacomChana", considerada um atentado aos bons costumes. "A proibição era um absurdo. Éramos, afinal, as principais clientes", comenta Miriam.
Desafiaram a proibição, forçaram a entrada e leram, em meio a aplausos e assovios, o manifesto. O ambiente, recorda-se Miriam, estava tenso. Muita gente tinha pavor de ser identificada, havia imprensa registrando o protesto. Desde aquele dia, o Ferro's ganhou uma clientela lésbica mais intelectualizada e politizada. E mais rica. Mas não resistiu.
Embora permaneça a discriminação, os tempos mudaram para os homossexuais da cidade de São Paulo, como mostraram os números da passeata de domingo. Excesso de bebidas, uso demasiado de drogas e prática de sexo inseguro, comportamentos tão louvados no passado pela marginalidade, são hoje condenados pelos padrões do politicamente correto. A entidade Um Outro Olhar, coordenada por Miriam, é um exemplo: sua missão é cuidar da saúde das lésbicas, a maioria delas, segundo descobriram, nem sequer fala com os médicos sobre suas preferências sexuais.
O Ferro's, onde agora funciona o bar Xingu, ganhou concorrência de lugares nos bairros de elite, com uma cozinha mais confiável e garçons respeitosos, acompanhando o movimento de abandono do centro -eram tempos em que apenas um bar atendia à clientela de mulheres homossexuais e, se alguém dissesse que 800 mil pessoas iriam a uma parada gay na aristocrática av. Paulista, seria tido por maluco.
E-mail - gdimen@uol.com.br

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