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ACADEMIA
É hora de pensar em novas formas de produzir filosofia, diz amigo de FHC
Giannotti recebe título de
professor emérito da USP
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
"Nunca pensei que meus colegas detestassem tanto a profissão
que escolheram", disse em 94 o filósofo José Arthur Giannotti, ao
ver a debandada de intelectuais e
professores universitários para
Brasília, convidados a integrar a
burocracia do governo tucano de
Fernando Henrique Cardoso.
Apesar de ser amigo íntimo de
FHC há quase 50 anos, Giannotti
preferiu ficar na trincheira acadêmica. Hoje sua opção será de alguma forma recompensada com o título de professor emérito que recebe da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em cerimônia marcada para as 13h30, no
salão nobre da faculdade (rua do
Lago, 717, Cidade Universitária).
O mesmo título foi dado pela
USP a FHC em 92, quando este era
chanceler do governo Itamar
Franco.
Assim como o presidente, Giannotti foi aposentado compulsoriamente da USP em 68, após a decretação do AI-5 pelos militares.
Também na companhia de FHC e
de um grupo de professores expulsos da universidade, fundou o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento) em 69, do qual
nunca mais se desligou e no qual
atualmente exerce o seu quarto
mandato como presidente.
Em 83, voltou à USP para ministrar um curso de seis meses aos
alunos de primeiro ano de filosofia. Estava entre eles, na condição
de ouvinte, seu único filho, o artista plástico Marco Giannotti. Desde
então, Giannotti, hoje com 68
anos, completados em fevereiro,
está afastado da universidade. Em
96, foi eleito membro do Conselho
Federal de Educação. Ficou lá por
pouco mais de um ano, o suficiente para discordar dos critérios do
órgão e pedir demissão, num episódio que irritou muito o ministro
da Educação, Paulo Renato Souza.
Entre os livros de Giannotti, o
mais importante talvez seja "Trabalho e Reflexão", de 83. Sua obra
mais recente é "Apresentação do
Mundo", um estudo sobre o filósofo Ludwig Wittgenstein, de 95.
Prepara atualmente um livro de
ensaios sobre moral e um outro
que se chamará "Certa Herança
Marxista", que considera um
acerto de contas com os que o acusam de ter abandonado as preocupações com a crítica do capitalismo para dedicar-se à filosofia da
linguagem. A seguir, trechos da
entrevista concedida à Folha.
Folha - É possível, honestamente, separar esfera pública e vida
privada quando um de seus melhores amigos ascende ao topo da
República?
José Arthur Giannotti - O melhor amigo é aquele que não interfere no meu trabalho de formiga.
Se o presidente não o faz, por que
os outros haveriam de fazê-lo? Nada me incomoda mais do que pedidos de intermediação. Bem sei que
existe uma zona cinzenta entre esfera pública e vida privada para todos os que ocupam lugar de destaque na vida pública. Mas a defesa
da privacidade se impõe a todos os
que desejam realizar bem o seu
trabalho. Até agora, não deixei de
exprimir minhas dúvidas a respeito de qualquer assunto, pois essa é
a tarefa de um intelectual consciente.
Folha - Qual a tarefa pública de
um intelectual da sua envergadura
no Brasil de hoje?
Giannotti - Ficar de olho aberto, moderar as paixões, nunca
pensar na envergadura que cada
um possa ter, pois esse é um assunto dos outros, e resistir ao máximo aos famosos cinco minutos
de celebridade.
Folha - Existe um pensamento filosófico brasileiro? Como anda por
aqui a vida de quem se ocupa de
filosofia?
Giannotti - Cresceu muito a
quantidade dos que se ocupam de
filosofia no Brasil. Com a diversidade, veio também um certo estranhamento. No mundo inteiro não
vejo grandes filósofos, talvez me
engane. Parece-me um triste
fim-de-século. Penso que se esgotou sobretudo uma certa maneira
de produzir filosofia. É hora de parar para pensar e encontrar novas
maneiras de escrever, de se fazer
público.
Folha - Não fica complicado pensar sem ter utopias, mesmo que
apenas como uma idéia reguladora, um ponto de fuga da reflexão?
Giannotti - A utopia tende a
baixar para a terra e circunscrever-se às apostas que podem ser
feitas no presente para o futuro.
Existe uma tendência de se apostar
mais no sistema político, no aprofundamento da democracia, na alternância do poder. Isso é muito
bom, pois se perde a idéia de que
um personagem ou um partido será o salvador da pátria.
Folha - O sr. citaria cinco livros,
ficção ou não, que considera decisivos neste século?
Giannotti - Vou logo respondendo "O Fio da Meada", de Paulo Arantes. Diante dele, o resto é
difícil de avaliar. Ah, agora me
lembro de mais um, "Lógica e Política", de Ruy Fausto.
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