São Paulo, quinta, 25 de junho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ACADEMIA
É hora de pensar em novas formas de produzir filosofia, diz amigo de FHC
Giannotti recebe título de professor emérito da USP

FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião

"Nunca pensei que meus colegas detestassem tanto a profissão que escolheram", disse em 94 o filósofo José Arthur Giannotti, ao ver a debandada de intelectuais e professores universitários para Brasília, convidados a integrar a burocracia do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso.
Apesar de ser amigo íntimo de FHC há quase 50 anos, Giannotti preferiu ficar na trincheira acadêmica. Hoje sua opção será de alguma forma recompensada com o título de professor emérito que recebe da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em cerimônia marcada para as 13h30, no salão nobre da faculdade (rua do Lago, 717, Cidade Universitária).
O mesmo título foi dado pela USP a FHC em 92, quando este era chanceler do governo Itamar Franco.
Assim como o presidente, Giannotti foi aposentado compulsoriamente da USP em 68, após a decretação do AI-5 pelos militares. Também na companhia de FHC e de um grupo de professores expulsos da universidade, fundou o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) em 69, do qual nunca mais se desligou e no qual atualmente exerce o seu quarto mandato como presidente.
Em 83, voltou à USP para ministrar um curso de seis meses aos alunos de primeiro ano de filosofia. Estava entre eles, na condição de ouvinte, seu único filho, o artista plástico Marco Giannotti. Desde então, Giannotti, hoje com 68 anos, completados em fevereiro, está afastado da universidade. Em 96, foi eleito membro do Conselho Federal de Educação. Ficou lá por pouco mais de um ano, o suficiente para discordar dos critérios do órgão e pedir demissão, num episódio que irritou muito o ministro da Educação, Paulo Renato Souza.
Entre os livros de Giannotti, o mais importante talvez seja "Trabalho e Reflexão", de 83. Sua obra mais recente é "Apresentação do Mundo", um estudo sobre o filósofo Ludwig Wittgenstein, de 95. Prepara atualmente um livro de ensaios sobre moral e um outro que se chamará "Certa Herança Marxista", que considera um acerto de contas com os que o acusam de ter abandonado as preocupações com a crítica do capitalismo para dedicar-se à filosofia da linguagem. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

Folha - É possível, honestamente, separar esfera pública e vida privada quando um de seus melhores amigos ascende ao topo da República?
José Arthur Giannotti -
O melhor amigo é aquele que não interfere no meu trabalho de formiga. Se o presidente não o faz, por que os outros haveriam de fazê-lo? Nada me incomoda mais do que pedidos de intermediação. Bem sei que existe uma zona cinzenta entre esfera pública e vida privada para todos os que ocupam lugar de destaque na vida pública. Mas a defesa da privacidade se impõe a todos os que desejam realizar bem o seu trabalho. Até agora, não deixei de exprimir minhas dúvidas a respeito de qualquer assunto, pois essa é a tarefa de um intelectual consciente.
Folha - Qual a tarefa pública de um intelectual da sua envergadura no Brasil de hoje?
Giannotti -
Ficar de olho aberto, moderar as paixões, nunca pensar na envergadura que cada um possa ter, pois esse é um assunto dos outros, e resistir ao máximo aos famosos cinco minutos de celebridade.
Folha - Existe um pensamento filosófico brasileiro? Como anda por aqui a vida de quem se ocupa de filosofia?
Giannotti -
Cresceu muito a quantidade dos que se ocupam de filosofia no Brasil. Com a diversidade, veio também um certo estranhamento. No mundo inteiro não vejo grandes filósofos, talvez me engane. Parece-me um triste fim-de-século. Penso que se esgotou sobretudo uma certa maneira de produzir filosofia. É hora de parar para pensar e encontrar novas maneiras de escrever, de se fazer público.
Folha - Não fica complicado pensar sem ter utopias, mesmo que apenas como uma idéia reguladora, um ponto de fuga da reflexão?
Giannotti -
A utopia tende a baixar para a terra e circunscrever-se às apostas que podem ser feitas no presente para o futuro. Existe uma tendência de se apostar mais no sistema político, no aprofundamento da democracia, na alternância do poder. Isso é muito bom, pois se perde a idéia de que um personagem ou um partido será o salvador da pátria.
Folha - O sr. citaria cinco livros, ficção ou não, que considera decisivos neste século?
Giannotti -
Vou logo respondendo "O Fio da Meada", de Paulo Arantes. Diante dele, o resto é difícil de avaliar. Ah, agora me lembro de mais um, "Lógica e Política", de Ruy Fausto.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.