|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MINHA HISTÓRIA
VÂNIA LÚCIA DA SILVA ALVES, 28
Pela honra da família
Transformei minha coragem em arma para enfrentar os policiais Eles são conhecidos como Os Highlanders
São acusados de decapitar as vítimas, uma delas, meu irmão
Rodrigo Capote/Folhapress
 |
|
Vânia Lúcia mostra foto do irmão Carlinhos, morto e decapitado em 2008
RESUMO
Em 8 de outubro de 2008, Antonio Carlos Silva Alves, 31, o Carlinhos, segundo a Promotoria e a Polícia Civil paulistas, foi sequestrado por
quatro PMs do 37º Batalhão da capital. O corpo foi
achado no dia seguinte,
decapitado e sem as mãos.
A partir dos depoimentos de Vânia Lúcia da Silva
Alves, 28, irmã de Carlinhos, a polícia descobriu a
existência de um grupo de
extermínio suspeito de ao
menos 12 mortes -das
quais 5 por decapitação.
(...)Depoimento a
ANDRÉ CARAMANTE
DE SÃO PAULO
Não vou me esquecer daquela madrugada de outubro
de 2008 quando reconheci o
corpo do meu irmão. Antonio
Carlos Silva Alves era o nome
dele. Tinha 31 anos. Estava
sem a cabeça e as mãos.
A cena era forte demais. O
pai e a mãe desmoronaram
quando confirmei que o corpo naquele IML era o do Carlinhos. Será que as pessoas
têm noção do que é dizer para os pais que um filho foi
achado morto decapitado?
Como ele tinha problemas
mentais por causa do parto, a
mãe sempre tratou o Carlinhos como uma criança. Ele
tinha corpo de homem, mas
a mentalidade era a de um
garoto de três anos. Era o
mais velho de quatro irmãos.
Apesar de limitado, Carlinhos gostava de trabalhar
para atingir o sonho de ter
um galinheiro. Isso mesmo,
para meu irmão, o ideal de vida era cuidar de galinhas.
OLHO NO OLHO
Naquele outubro de 2008,
meu irmão estava perto de
casa quando foi colocado
num carro da Polícia Militar.
Eram PMs de um grupo especial, chamado Força Tática.
Cheguei a ver quando o
carro passou. Dentro dele
uma pessoa era forçada a ficar abaixada entre os dois
PMs do banco de trás. Não
deu para ver o rosto de quem
era levado ali, mas senti algo
ruim. Olhei bem para dois
dos quatro PMs no carro.
O Carlinhos não chegou
em casa. Nossa família ficou
desesperada. Então soubemos que era ele que tinha sido levado pela polícia. Um vizinho, que também tinha visto tudo, anotou a placa do
carro da PM e me passou.
Foi aí que comecei minha
batalha contra um grupo de
policiais que ficou conhecido
como Os Highlanders.
O nome é usado porque
eles são acusados de cortar a
cabeça de suas vítimas.
No dia seguinte ao sumiço
do Carlinhos, a mãe e o pai
foram ao 37º Batalhão da PM,
responsável pelo policiamento aqui no Jardim Ângela, para saber se policiais dali
tinham prendido meu irmão.
Não conseguiram nada. A
mãe mostrou a foto do Carlinhos para um PM. "Moço, pelo amor de Deus, se o senhor
encontrar meu filho, não faz
nada com ele. O menino tem
problema mental. Ele é como
uma criança", a mãe disse.
O PM viu a foto do Carlinhos, olhou dentro dos olhos
da mãe e respondeu que, caso soubesse de algo, avisaria
nossa família. Mentira dele.
Mais tarde, graças ao trabalho dos policiais civis de
Taboão da Serra que investigaram a morte do Carlinhos,
descobrimos que o mesmo
PM [o terceiro-sargento Moisés Alves Santos] que olhou
nos olhos da mãe era um dos
quatro que tinham sequestrado e arrancado a cabeça e
as mãos do meu irmão.
TRISTEZA ETERNA
Como tive a coragem de reconhecer os PMs que estavam no carro, passei a ser
ameaçada de morte. Ligaram
várias vezes para casa para
dizer que também vou perder
a cabeça, que vão me pôr onde está o corpo do Carlinhos.
Um dia, dentro da Corregedoria da PM, fui intimidada
pelo advogado que defendia
os policiais. Ele disse que tinha todos os meus dados.
Não fraquejei pela honra
da família. Meu irmão não
merecia ter sido morto nas
mãos de quem tinha dever de
protegê-lo. Os PMs estão presos desde janeiro de 2009.
No ano passado, fiquei
frente a frente com eles numa
audiência. Olhei no olho de
cada um deles para que sentissem parte da tristeza eterna que minha mãe carrega
no coração. Ela se sente culpada por não ter evitado o assassinato da "sua criança".
Texto Anterior: Há 50 Anos Próximo Texto: Outro lado: Acusados negam crime; grupo será julgado na quinta Índice
|