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RIO
Corregedoria apura denúncia de abuso de investigadores que resultou na morte de feirante de 20 anos; caso será levado à ONU
Exumado corpo de suposta vítima de tortura policial
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Foi exumado ontem no Rio o
corpo do feirante Anderson Carlos Crispiniano, 20, suposta vítima de tortura policial cuja morte
será investigada pela ONU (Organização das Nações Unidas).
O caso encabeça o documento
que será encaminhado pela entidade de defesa de direitos humanos Justiça Global ao relator da
ONU sobre tortura, Nigel Rodley,
em visita ao Brasil.
No dia 28 de junho, Crispiniano
dormia em sua casa, no morro do
Adeus (zona norte), quando homens que se identificaram como
policiais invadiram o local acusando o rapaz de tráfico de drogas
e assassinato.
A família aponta como responsáveis pelo crime policiais da
DPCA (Delegacia de Proteção à
Criança e ao Adolescente), que
naquele dia faziam uma incursão
ao morro. De acordo com a família, o feirante foi mantido em cárcere privado por 13 horas.
Em contato por telefone com a
família de Crispiniano, os sequestradores exigiram R$ 5.000. O pai
do rapaz, Francisco Carlos, fez
uma arrecadação no morro para
coletar o dinheiro do resgate.
Uma suposta advogada indicada pelos sequestradores recebeu o
dinheiro. Exigiu também o carro
do feirante, um Passat 1981, mas a
família não conseguiu entregá-lo
porque não achava as chaves.
Era quase meia-noite quando,
de acordo com o relato de parentes do feirante, a suposta advogada levou Crispiniano de volta ao
morro, desmaiado e sem falar.
"O lado direito do corpo dele estava paralisado, o pé sangrava,
porque as unhas tinham sido arrancadas. Quando chegamos ao
posto de saúde, ele começou a sangrar sem parar pelo nariz",
conta Ana, irmã do feirante.
Crispiniano ficou internado 15
dias em estado grave no Hospital
Geral de Bonsucesso. Liberado,
voltou para fazer exames e acabou
morrendo, segundo informa o
atestado de óbito, com septicemia
(infecção generalizada).
A morte do feirante já está sendo apurada pela Corregedoria de
Polícia do Rio, que coordenou a
exumação e diz que irá fazer uma
necropsia do corpo.
O coordenador da entidade Justiça Global, James Cavallaro, critica a lentidão da investigação.
"Não entendo por que essa exumação não aconteceu antes, mas
só cinco semanas depois da morte, quando o corpo já está muito
decomposto. A polícia deveria
mandar uma equipe ao morro,
para ouvir o testemunho de moradores", afirma Cavallaro.
O corregedor José Vercillo Filho
disse que os policiais Sérgio Xavier da Silva e Jorge Marcelo Bulher Pedrada, identificados como
participantes da operação no
morro do Adeus, estão afastados,
mas soltos, porque não há mandado de prisão contra eles.
No inquérito da Corregedoria,
os policiais disseram que Crispiniano foi levado à DPCA e que,
como nada foi provado contra ele
-o rapaz não tinha antecedentes
criminais-, o feirante foi liberado com a ajuda de sua advogada.
Os dois negaram a tortura.
A família de Crispiniano afirma
que os mesmos policiais que teriam sequestrado o feirante voltaram ao morro do Adeus para
ameaçar seus parentes e vizinhos.
"Não foi o único caso de sequestro no morro. A gente não sabe
mais o que fazer: de noite, fica na
mão de vagabundo (traficante) e,
de dia, na mão da polícia", diz o
pai do feirante, Francisco Carlos.
Ele diz que o filho não tinha
nem nunca teve envolvimento
com o tráfico de drogas.
Nos depoimentos à Corregedoria, os dois policiais investigados,
porém, afirmaram o contrário:
segundo eles, Crispiniano confessou ter integrado uma quadrilha
de traficantes no morro e até ter
levado um tiro na perna.
"É mentira, é mentira. Eles pegaram meu filho em casa, sem arma, sem droga. Agora inventam
que ele era traficante", reage o pai.
Segundo ele, o rapaz morava
com a mulher e as duas filhas
num barraco no morro do Adeus.
Francisco afirma também que
seu filho nunca teve advogada e
que a família não enviou ninguém
como emissário para negociar o
resgate com os sequestradores.
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