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Maiores trajetos viários de SP somam 181 km
A reportagem passou quase oito horas em dois ônibus para contar histórias de quem utiliza as mais longas linhas da metrópole
A linha 3310 vai do centro até a Cidade Tiradentes, no extremo leste; já a 477P-10, sai do Rio Pequeno, extremo oeste, em direção ao Ipiranga
ANA PAULA BONI
LETICIA DE CASTRO
DA REVISTA DA FOLHA
Por volta de 0h40, o terminal
de ônibus Amaral Gurgel, ao lado do metrô Santa Cecília, reúne sete pessoas em frente ao
ponto do ônibus 3310, que vai
do centro à Cidade Tiradentes.
Claudia Canto, 34, chega esbaforida. "Que horas são?"
0h49. Falta um minuto para
passar o primeiro ônibus que
cruza a cidade em direção à zona leste. É o maior percurso da
cidade de São Paulo: 100 km,
entre ida e volta.
O carro chega à 0h53, e leva
os passageiros, inclusive Claudia, que é jornalista e escritora.
Moradora da Cidade Tiradentes há 25 anos, Claudia garante que a viagem na linha
3310 é tranquila, mas se espanta ao saber que a repórter vai
acompanhar o trajeto, "Você é
corajosa! Porque eu sou da periferia, tenho o linguajar deles."
Conforme o ônibus avança
pelo centro, os bancos vão sendo ocupados. A maioria por homens, com tocadores de MP3
no ouvido, que cochilam com a
cabeça encostada no banco.
Ao cruzar a praça da República, já não há cadeiras vazias.
À 1h20, Maria José Bispo, 28,
segurança feminina de uma casa de shows, conta que já presenciou várias brigas dentro do
ônibus. "Depois das 2h, esse
ônibus fica lotado. Aí, um homem encosta no outro e saem
umas brigas horríveis."
Maria mora no Jardim São
Paulo, Guaianazes, e de madrugada, demora cerca de 1h40 para voltar do trabalho para casa.
Cidade fantasma
Passando a Radial Leste às
2h, São Paulo parece, aos poucos, transformar-se em uma cidade fantasma.
"Nessa área, em um ano de
trabalho, eu nunca vi ninguém", diz o motorista Geraldo
Pereira Santos, 51, enquanto
passa por um emaranhado de
ruas, próximo ao ponto final, na
rua Francisco José Viana.
O ônibus chega lá às 2h40.
Mas não há ponto final. Motorista e cobrador sequer descem
para um intervalo e o caminho
de volta começa.
Motorista há 35 anos, Geraldo é responsável pela linha
3310 há um ano. Casado, pai de
dois filhos, ele conta que prefere trabalhar à noite e evitar o
caos do trânsito da cidade.
Se a ida para Cidade Tiradentes reúne trabalhadores voltando do batente, a volta em direção ao centro, às 3h10, leva os
moradores para o trabalho.
É o caso de Rodrigo da Silva,
23, atendente de telemarketing. Morador de Itaquera, ele
começa a trabalhar às 6h e pega
o ônibus às 5h.
Com piercing no nariz e alargador de orelha, Rodrigo encara a viagem noturna quase como uma extensão do seu sono.
Extremo oeste
São 5h da manhã da última
segunda-feira e não há uma só
pessoa no ponto de onde o ônibus 477P-10 vai partir, no Rio
Pequeno, em direção ao Ipiranga. Nas redondezas tampouco
há sinal de vida. Oito minutos
depois, as luzes do veículo se
acendem e o motorista liga o
motor. Repórter e fotógrafo são
os primeiros passageiros.
Quando a rodovia Raposo
Tavares é alcançada, as cadeiras já estão ocupadas. Maurício
Brasil de Jesus, 48, fecha os
olhos. Na bolsa, carrega seu
uniforme de gari e a quentinha
do almoço. No ônibus, Maurício segue ereto, não boceja.
Abre os olhos de quando em
quando, mesmo faltando cerca
de 1h30 para chegar ao destino.
Às 6h56, é hora de voltar para
o Rio Pequeno. Agora, com direito a trânsito. O motorista
Leandro Vasconcelos, 32, está
na empresa há sete anos, três
deles só nessa linha, que existe
há 19 anos. Ele e a cobradora
Leide Laura Dumond Silva, 25,
são da época em que o trajeto
passava por Heliópolis.
Às 8h45, o pior do trânsito já
passou. Da avenida Faria Lima
em diante, poucas pessoas entram. Quando o ônibus para na
rua José Vicente da Cruz, já são
9h23 -2h20 depois de ter saído do Ipiranga.
É hora de gastar cerca de 15
minutos para ir rapidamente
ao banheiro ou então tomar
um cafezinho, depois de 4h15
dentro de um ônibus, antes de
seguir a viagem que só deve
terminar por volta das 12h.
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