São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

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Maiores trajetos viários de SP somam 181 km

A reportagem passou quase oito horas em dois ônibus para contar histórias de quem utiliza as mais longas linhas da metrópole

A linha 3310 vai do centro até a Cidade Tiradentes, no extremo leste; já a 477P-10, sai do Rio Pequeno, extremo oeste, em direção ao Ipiranga

ANA PAULA BONI
LETICIA DE CASTRO
DA REVISTA DA FOLHA

Por volta de 0h40, o terminal de ônibus Amaral Gurgel, ao lado do metrô Santa Cecília, reúne sete pessoas em frente ao ponto do ônibus 3310, que vai do centro à Cidade Tiradentes.
Claudia Canto, 34, chega esbaforida. "Que horas são?" 0h49. Falta um minuto para passar o primeiro ônibus que cruza a cidade em direção à zona leste. É o maior percurso da cidade de São Paulo: 100 km, entre ida e volta.
O carro chega à 0h53, e leva os passageiros, inclusive Claudia, que é jornalista e escritora.
Moradora da Cidade Tiradentes há 25 anos, Claudia garante que a viagem na linha 3310 é tranquila, mas se espanta ao saber que a repórter vai acompanhar o trajeto, "Você é corajosa! Porque eu sou da periferia, tenho o linguajar deles."
Conforme o ônibus avança pelo centro, os bancos vão sendo ocupados. A maioria por homens, com tocadores de MP3 no ouvido, que cochilam com a cabeça encostada no banco.
Ao cruzar a praça da República, já não há cadeiras vazias.
À 1h20, Maria José Bispo, 28, segurança feminina de uma casa de shows, conta que já presenciou várias brigas dentro do ônibus. "Depois das 2h, esse ônibus fica lotado. Aí, um homem encosta no outro e saem umas brigas horríveis."
Maria mora no Jardim São Paulo, Guaianazes, e de madrugada, demora cerca de 1h40 para voltar do trabalho para casa.

Cidade fantasma
Passando a Radial Leste às 2h, São Paulo parece, aos poucos, transformar-se em uma cidade fantasma.
"Nessa área, em um ano de trabalho, eu nunca vi ninguém", diz o motorista Geraldo Pereira Santos, 51, enquanto passa por um emaranhado de ruas, próximo ao ponto final, na rua Francisco José Viana.
O ônibus chega lá às 2h40. Mas não há ponto final. Motorista e cobrador sequer descem para um intervalo e o caminho de volta começa.
Motorista há 35 anos, Geraldo é responsável pela linha 3310 há um ano. Casado, pai de dois filhos, ele conta que prefere trabalhar à noite e evitar o caos do trânsito da cidade.
Se a ida para Cidade Tiradentes reúne trabalhadores voltando do batente, a volta em direção ao centro, às 3h10, leva os moradores para o trabalho.
É o caso de Rodrigo da Silva, 23, atendente de telemarketing. Morador de Itaquera, ele começa a trabalhar às 6h e pega o ônibus às 5h.
Com piercing no nariz e alargador de orelha, Rodrigo encara a viagem noturna quase como uma extensão do seu sono.

Extremo oeste
São 5h da manhã da última segunda-feira e não há uma só pessoa no ponto de onde o ônibus 477P-10 vai partir, no Rio Pequeno, em direção ao Ipiranga. Nas redondezas tampouco há sinal de vida. Oito minutos depois, as luzes do veículo se acendem e o motorista liga o motor. Repórter e fotógrafo são os primeiros passageiros.
Quando a rodovia Raposo Tavares é alcançada, as cadeiras já estão ocupadas. Maurício Brasil de Jesus, 48, fecha os olhos. Na bolsa, carrega seu uniforme de gari e a quentinha do almoço. No ônibus, Maurício segue ereto, não boceja. Abre os olhos de quando em quando, mesmo faltando cerca de 1h30 para chegar ao destino.
Às 6h56, é hora de voltar para o Rio Pequeno. Agora, com direito a trânsito. O motorista Leandro Vasconcelos, 32, está na empresa há sete anos, três deles só nessa linha, que existe há 19 anos. Ele e a cobradora Leide Laura Dumond Silva, 25, são da época em que o trajeto passava por Heliópolis.
Às 8h45, o pior do trânsito já passou. Da avenida Faria Lima em diante, poucas pessoas entram. Quando o ônibus para na rua José Vicente da Cruz, já são 9h23 -2h20 depois de ter saído do Ipiranga.
É hora de gastar cerca de 15 minutos para ir rapidamente ao banheiro ou então tomar um cafezinho, depois de 4h15 dentro de um ônibus, antes de seguir a viagem que só deve terminar por volta das 12h.


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