São Paulo, terça, 25 de novembro de 1997.



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OPINIÃO
Diálogos

PAULO ROSEMBAUM
No início deste século houve, com base no famoso relatório Flexner, uma grande reforma no ensino da medicina: formar menos médicos e mais especialistas, com um enfoque "hospitalocêntrico". Quase um século depois, ouve-se um diálogo numa sala de estudo médico. O estudante:
"Professor, por que se adota esse modelo de ensino médico biocêntrico?" "Ele ainda está aí porque é o mais lógico", responde o professor, um entusiasta da proposta vigente. "A medicina trata de lesões e de patologias, e esse é o terreno do corpo."
"E os elementos de subjetividade? Vemos isso diariamente nos atendimentos", insiste o aluno. "Há importantes componentes psicoafetivos, sociais e culturais. A conexão parece evidente."
"Não é assim", argumenta o professor. "Há correntes que relativizam o papel biológico nas enfermidades, privilegiando outros aspectos. Estão equivocadas."
"Mas, professor, ontem examinamos uma criança com bronquite. Pelo que ela nos contou, percebemos as suas suscetibilidades. O comportamento da criança e o papel da mãe são determinantes em suas crises respiratórias..."
"Não, não... A única forma racional e científica de fazer medicina é estabelecer um diagnóstico, um prognóstico e uma terapêutica. O resto é filosofia. Nós, médicos, devemos nos concentrar em dados concretos, e não em idéias", conclui o professor.
"Concordo em parte", arrisca o aluno, "mas uma coisa é estabelecer uma ordem para o tratamento, outra é desvincular o paciente da patologia que ele sofre. Isso justifica pensar em cuidar de pessoas, não se limitar a tratar lesões".
"Essas são idéias de sanitaristas, homeopatas e outros que não conhecem a vida de um intensivista ou de um cirurgião", retruca, impaciente. "Depois de formado, você mudará de idéia."
"Perdão, professor, respeito a sua experiência, mas não esquecerei o que constatei na prática. Quero cuidar de pessoas, criar uma relação de proximidade, interagir com a comunidade, conhecer outras formas de lidar com os doentes, saber que outros adquiriram uma visão crítica da medicina..."
"Você acha mesmo que, com toda a tecnologia para pesquisa, essas preocupações ainda procedem?", retruca o professor.
O aluno: "Não sou contra a tecnologia. Só acho que a relação com o paciente e a preocupação com ele são insubstituíveis".
Nostálgico, o professor recorda-se dos tempos de estudante. Logo, lembra-se que deveria estar no hospital para fazer uma operação de amídalas. "Depois continuamos", despede-se, sem pretender voltar ao assunto. O estudante: "Será que falei demais?".


Paulo Rosembaum, 38, médico homeopata, é mestrando em medicina preventiva pela Faculdade de Medicina da USP e docente da Associação Paulista de Homeopatia.



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