São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2004

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SEGURANÇA

Só 2,4% das unidades abrem 24 horas por dia, apesar de os casos de violência geralmente ocorrerem à noite

Estudo aponta falhas em delegacia da mulher

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Quase 20 anos depois de o Brasil instalar de forma inédita as delegacias especializadas de atendimento à mulher, as 289 unidades em funcionamento no país adotam mais um tom de conciliação e aconselhamento do que de investigação policial e produção de provas. Este é o diagnóstico da pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
O levantamento, que será divulgado hoje, contabiliza um total de 425.935 ocorrências registradas no ano passado. As mais comuns foram ameaças, lesões corporais, injúria, calúnia, difamação e perturbação da ordem. O Ministério da Justiça deve investir R$ 2,5 milhões para reequipar as unidades e treinar os policiais. "A pesquisa retrata o pouco olhar da política em relação aos crimes contra a mulher. Isso não pode ser uma política pública marginal. Tem que estar integrada no bojo das polícias especializadas", disse Rita de Cássia Andréa, coordenadora de Ensino da Senasp.
A precariedade das delegacias fica exposta em números e pleitos dos delegados responsáveis. Alguns exemplos: 28% não têm algemas, 53,3% não possuem coletes a prova de balas, 38,4% não têm revólver e 22,6% não têm sequer um carro de polícia. O Ministério da Justiça encaminhou questionários a todas as delegacias e postos móveis nos Estados.
O atendimento ao público é outra questão delicada. A violência contra a mulher, geralmente, é praticada pelo cônjuge, à noite, dentro de casa. Mesmo com esse contexto, apenas 2,4% das delegacias especializadas funcionam 24 horas por dia e 76% não têm plantão aos finais de semana.
O curioso é que as primeiras delegacias desse tipo funcionavam 24 horas e recebiam a colaboração da sociedade civil. As primeiras unidades foram criadas sob pressão do movimento feminista em 1985 em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Com o passar do tempo, e a menor pressão social, o horário de funcionamento foi sendo reduzido.
"O universo da segurança e o aparato policial não vêem o crime contra a mulher em pé de igualdade com o crime contra qualquer pessoa. O fato criminal vem sendo pouco apurado. É preciso levantar o ciclo completo do crime", disse Andréa.
A infra-estrutura das delegacias também é questionável: 75,2% das unidades não têm sala de assistência social, em 67,9% faltam salas de assistência psicológica e em 30,5% não há espaço separado para a triagem das vítimas. O primeiro contato nestes casos é importante para que a mulher seja informada de seus direitos e de eventuais crimes de que é vítima.

Descaso
Segundo Marcelo Durante, coordenador-geral de Pesquisa da Senasp, os governos e as polícias Civis nos Estados dão pouca importância para as delegacias de atendimento à mulher. Isso se reflete na alta rotatividade de policiais nas unidades e ausência de planejamento. "Falta cultura para planejar as ações com base nas informações coletadas. Os policiais estão indo para a rua sem saber o que vão encontrar. É preciso valorizar a informação como ferramenta de polícia", disse Durante.

Em números
75,4% dos delegados responsáveis pelas unidades especializadas disseram não conhecer instituições voltadas para o atendimento à mulher vítima de violência nos Estados em que trabalham. Em 67,4% das delegacias os profissionais não fizeram nenhum curso de capacitação no ano passado.


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