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"Todos sabiam que menina estava no meio dos homens"
Moradores dizem que jovem aproveitava proximidade da cela com a rua para pedir ajuda
Segundo tia de um dos
presos que foi transferido
após caso ser descoberto,
população tinha medo
de denunciar a situação
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A BELÉM (PA)
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
Da rua em frente à delegacia
de polícia de Abaetetuba, 130
km de Belém, tem-se visão ampla da carceragem, um galpão
de 80 metros quadrados, três
banheiros minúsculos e uma
cela de segurança, separados da
cidade livre apenas por um portão de grades enferrujadas.
Foi lá que, durante pelo menos 20 dias, uma menina de 15
anos, L., acusada de tentativa
de furto, permaneceu encarcerada com mais de 30 homens,
submetida a abusos sexuais,
violência e estupros seguidos,
que só tiveram fim no dia 15.
"Era um show isso daqui. Todo mundo sabia que a menina
estava lá no meio daqueles homens todos, mas ninguém falava nada", disse uma mulher na
delegacia, sexta-feira à noite.
"Antes de comer, os presos se
serviam dela", lembra inflamada outra mulher, falando alto
bem em frente à sala do delegado de plantão. Refere-se ao fato
de os presos obrigarem a menina a praticar sexo como condição para lhe darem alimento.
"Ela gritava e pedia comida
para quem passava, chamava a
atenção para si, e, como ela era
conhecida por aqui, não dava
para ignorar", afirma outra.
Nos bastidores do governo
federal, em Brasília, existe a
convicção de que o caso configura-se em uma das mais graves violações dos direitos humanos, uma ofensa ao Estatuto
da Criança e do Adolescente,
além de ferir os direitos sexuais
e reprodutivos das mulheres.
O mais constrangedor, porém, é que todo esse horror foi
patrocinado por instituição do
Estado (a Polícia Civil) comandada pela petista Ana Júlia Carepa, governadora do Pará.
L. não poderia estar no sistema penitenciário, menos ainda
sob acusação de tentativa de
furto e, pior, presa entre homens. "Só se pode internar um
adolescente por violência, grave ameaça ou prática reiterada
de delito grave, o que não era o
caso", diz a advogada Márcia
Ustra Soares, 42, da subsecretaria de promoção dos direitos
da Criança e do Adolescente da
Presidência da República.
Os presos até que tentaram
camuflar a presença daquele
corpo estranho no meio de tantos homens. "Minha filha tinha
cabelos lindos e encaracolados
que iam até o meio das costas",
diz a mãe biológica. "Cortaram
o cabelo dela com um terçado
[facão], para disfarçar que se
tratava de uma menina. Cortaram é modo de dizer, escalpelaram a minha filha." Mas não
funcionou.
L. continuou vestindo as roupas que usava ao ser presa
-sainha curta e blusinha que
deixava evidentes os seios adolescentes. Seu corpo mirrado,
com menos de 1,40 m, tampouco permitia que ela fosse enfiada nas roupas de seus companheiros de cela.
A carceragem onde a menina
ficou trancada agora está quase
vazia -os homens presos que
conviveram com ela foram todos removidos para penitenciárias próximas. Apenas um
jovem de 19 anos, Landrisson
André Santos Mauegi, acusado
de tentativa de furto de uma bicicleta, estava detido no local
na sexta-feira (ele foi parar lá
depois da libertação de L.). A
mãe de Landrisson, Maria Santos, 75, vai ao local todos os dias
para levar sanduíches, cigarros
e conforto ao seu caçula. Nem
precisa passar pelo carcereiro.
Basta esticar o braço.
Se era tão flagrante a identidade feminina e quase infantil
de L., por que ninguém denunciou antes? "Medo de morrer.
Aqui todo mundo tem medo",
diz a tia de um dos presos transferidos. "Se a delegada põe uma
menina na cela com os homens,
e a juíza mantém ela lá, quem
sou eu pra denunciar. Aliás, denunciar para quem?"
A delegada a que se refere a
mulher é Flávia Verônica Pereira, responsável pela prisão
em flagrante de L. A juíza é Clarice Maria de Andrade.
No dia 14, finalmente, o Conselho Tutelar de Abaetetuba recebeu uma denúncia. Anônima.
A delegada foi afastada de suas
funções no dia 20 e a juíza está
sendo investigada pela Corregedoria de Justiça. A Folha
tentou sem sucesso contatar
ambas por telefone na sexta.
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