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ÁLBUM DE ANIVERSÁRIO
Relatório de observação
FERNANDO BONASSI
COLUNISTA DA FOLHA
Vimos por meio deste informar que paulistas de todas
as partes do planeta tomaram de
assalto (sem violência!) a praça
da Sé no dia de ontem.
Às exatas 12 horas o marco encravado no umbigo da cidade
concentrava a seguinte atividade:
para os lados da rua Direita, um
grupo de índios dançava ritualmente. Não dançavam do mesmo
modo que dançaram seus antepassados na mão dos primeiros
brancos. Não pediam por água de
chuva, que a população mal se recuperava das tempestades de verão, mas queriam sim uma gota
de atenção.
Nada indicava que aquilo fosse
pegar fogo. Tanto que para os lados dos bombeiros e da gloriosa
Mooca, um grupo de pagode e tarantella, recém-chegado, esperava pacientemente a sua vez.
Apreciaram aquele batuque diferente e prometeram mandar
um e-mail à tribo, tirando as dúvidas de harmonia para o próximo Carnaval.
Para o lado de trás, aquele da
catedral lotada, metade era o povo curioso, metade era autoridade engravatada. Não havia o diabo de um lugar onde cair morto
em meio a tanta gente vidrada na
palavra daqueles homens de
Deus! Lá fora as pombas castigavam os monumentos, mas pareciam poupar as moças. Quanto
aos seus trajes, as cinturas eram
baixas, as saias se elevaram com
a temperatura e os seios nos berços dos decotes eram esplêndidos.
Por ser típico dessa gente, garoou só de sacanagem, uma vez
ou outra. A missa foi então retransmitida por um telão molhado e colorido, para que o cidadão
estendido na grama e perto da
fonte não sentisse qualquer frieza
ou secura por parte da santa madre igreja.
Acontece que por força desses
equipamentos eletrônicos e de
seus efeitos especiais, os políticos
presentes ora melhoravam, ora
pioravam a sua imagem diante
daqueles eleitores. Como não era
dia de política, ainda que fizessem festa, ninguém se sentiu ofendido, excetuando-se dois cachorros e um mendigo, roubados de
seus lugares encostados.
Para os lados do largo São
Francisco e, segundo o referido
marco, também de Minas Gerais,
compravam-se cartuchos de impressora por bom preço e um casal se beijava de língua, sem ligar
pra criança desse tamanho que
rebolava pelo prato de comida.
Por falar nisso, o Restaurante
Campestre estava cobrando noventa e nove centavos por cem
gramas, com 16 pratos quentes e
16 saladas (a filipeta não informava se tinham um único centavo de troco!).
Para os lados de Santos, Silvio
Santos e São Vicente, os piqueniques preferiam a sombra das palmeiras magras e das antenas parabólicas espetadas, mascando-se
pastéis e cafezinhos de coador a
setenta centavos no copo americano. Claro que havia iraquianos
cansados dessas batalhas diárias!
Para os lados da Liberdade, por
exemplo, japoneses bacanas e chineses ilegais fritavam bolinhos
imemoriais e sonhavam à vontade. Todos se mostraram felizes,
apesar das cicatrizes... o que deve
dizer qualquer boa coisa a nosso
respeito.
Fim do relatório.
P.S. 1: Informamos que o mapa
de bronze por cima do referido
marco (conhecido como "Marco
Zero") teria se tornado ultrapassado em poucos segundos, imediatamente após ser chumbado,
no século passado.
P.S. 2.: A Esquadrilha da Fumaça também deu o ar de sua graça.
Fernando Bonassi é escritor e colunista
da Folha.
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