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CRÍTICA
Compositor orienta afago cruel à cidade dos forasteiros
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Não parecia ter muito nexo, a princípio, o paralelo
que Rappin" Hood fez entre Caetano Veloso e os rappers, pelo
tempo que o artista baiano passou
exilado em Londres. Mas é preciso refletir sobre o que o mano
paulistano nos disse. Ele se acha
parecido com Caetano no exílio. É
habitante típico de São Paulo: pobre, preto, periférico, podado.
Sente-se exilado dentro de casa.
Viu-se domiciliado por instantes
pelo ato generoso de Caetano
convidá-lo para comemorarem,
juntos, os 450 anos de uma cidade
habitada por 53% de forasteiros.
Não havia figura mais adequada
para honrar a data solene que
Caetano, homem que se sente estrangeiro em qualquer lugar. Ele
espalhou generosidade cantando
com Rappin" Hood, Jair Rodrigues, Nando Reis, Jair Oliveira e
Zé Miguel Wisnik.
Só foi se sentir à vontade e em
casa no abraço apertado de Gilberto Gil, amigo de identidade
baiana e ex-migrante nordestino
em São Paulo, como ele. Homem-ponte que é, Gil suavizou o amor
de Caetano pelo exílio ao participar de bela e breve cena de cumplicidade com Jair Rodrigues, antípoda alegre e indomável deles
dois. Elis Regina, outra ex-migrante, fez-se presente na Ipiranga com a São João, soldando o
triângulo Caetano-Gil-Jair.
Ao apresentar o filho de Jair, ex-Jairzinho, Caetano titubeou entre
a generosidade e a vocação para
pai disciplinador. Deixou que o
menino cantasse sua afronta a
"Sampa" (78), "Uma Outra Beleza" (2002), que ousa reclamar
com doçura da imagem em negativo que a canção de Caetano traçou para a cidade-abrigo. Era
quase meia-noite. Caetano se alvoroçou e tentou interromper Jair
Oliveira. Viu que não seria possível, lançou um olhar baixo e um
sorriso melancólico, deixou o menino paulistano tomar posse da
cidade natal à 0h do aniversário.
Concedeu integração de posse a
Rappin" Hood, que intrometeu
sua "Rap du Bom" (2001) na
"Odara" (77) de Caetano. Coisas
da vida, Rappin" Hood roubou do
rico para dar aos pobres, cantando "se liga no som/ aumenta o volume que é rap do bom".
A certa altura, MC Caetano opinou: o Brasil só será inteiro quando São Paulo for feliz. Defendia,
cruel, que SP é o fígado do Brasil.
Encerrou o rito com todos os
convidados e o hino maldito "São
São Paulo" (68), de Tom Zé, o migrante baiano tropicalista que
conseguiu conciliar dentro de si
SP e Bahia. Irmã mais velha de
"Sampa", "São São Paulo" discorre sobre belezas paulistanas tendo
de mirar suas feiúras.
Timoneiro, Caetano errava as
letras enquanto tentava orientar
com amor revigorado a condução
da nau São Paulo (Brasil) a, quem
sabe, um tempo em que será possível apenas gostar da cidade (do
país), quando os próprios paulistanos (brasileiros) saberão e quererão se auto-honrar sem censura. Obrigado, sr. Caetano.
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