São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

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DEBATE FOLHA

Colunistas falam sobre a "cafonice" da elite, o trânsito e a violência na cidade; simpatia e caráter empreendedor do paulistano são vistos como ponto alto

SP entre o amor e o caos, na visão de quatro colunistas

SE A ELITE de São Paulo é cafona, conforme insiste a colunista da Folha Danuza Leão, que mora no Rio, o ex-ministro Delfim Netto, também colunista, é esperançoso: "Ela aprende, ela aprende". Se Gilberto Dimenstein, que mora na Vila Madalena, torce para que apareça um prefeito com coragem suficiente para implantar o pedágio urbano, como forma de resolver o problema do trânsito, a moradora do Itaim Bibi Barbara Gancia lembra que em Londres ou Nova York, dotadas de ótimos sistemas de transporte público, a maioria das pessoas prefere ir de metrô. Os quatro falaram das aflições da metrópole, como a violência, a escola ruim, o trânsito neurótico, mas teceram uma lista de elogios à cidade que completou ontem 454 anos. (LAURA CAPRIGLIONE)

Abaixo, o debate travado entre os colunistas, na última quarta, no auditório do Masp.

 

QUE CIDADE É ESSA?
Gilberto Dimenstein - São Paulo está cada vez melhor.
Tem mais orquestras, mais espetáculos, mais concertos, mais universidades. Ainda é o caos, mas a cidade está mais antenada. Até bem pouco tempo atrás, a elite mais moderna, a que ditava moda, era a carioca. Hoje, tem toda essa elite nova em São Paulo, ligada na melhoria da cidade.
Delfim Netto - São Paulo continua uma excelente cidade. Tem problemas graves, como o da segurança, mas tem qualidades extraordinárias.
Barbara Gancia - Esta é a cidade em que, se eu tiver um piripaque, posso ir ao melhor hospital. São Paulo vem melhorando muito, e às vezes, com iniciativas simples. Na Cidade Tiradentes, por exemplo, no extremo leste, sem atividade comercial nem opção de lazer, a vida começa a mudar com medidas como dar um CEP para o cidadão, dar um nome para a rua. Porque, sem endereço, não se pode nem receber uma geladeira das Casas Bahia.
Danuza Leão - São Paulo eu não conheço muito. Agora, quando vocês falam em violência, parece brincadeira. Porque o Rio está muito pior do que São Paulo. Moro em um lugar privilegiado, o coração de Ipanema. Para sair de casa, tenho o cuidado de tirar o relógio, porque sei que posso levar um tiro. Faz cinco anos que vendi o carro por medo de assalto. O Rio é diferente de São Paulo porque, mais ou menos em qualquer lugar que se more, tem uma favela perto. Aqui, não. A periferia é longe.

ELITE PAULISTANA
Danuza - Eu não freqüento paulistano rico. Paulistano rico é um pouco cafona, não é? As paulistanas ricas são um tanto peruas, não é?
Delfim - É o mesmo julgamento que as paulistanas ricas têm das cariocas.
Danuza - Será? Acho que não. Carioca bota o biquíni, um paninho amarrado e... Eu fui à nova Daslu fazer uma reportagem para a Folha. E fiquei horrorizada porque era tudo tão "fake"... Havia uma multiplicidade de costureiros, sim, mas era o que havia de pior de cada um. Entrei, observei e, no fim, me perguntei: "Será que eu queria alguma coisa daqui?" E eu não queria nada, rigorosamente nada, da Daslu. Mas a Daslu virou uma espécie de símbolo da cidade.
Gilberto - São Paulo pode ter tudo, inclusive uma loja de altíssimo luxo.
Danuza - É claro, mas o que eu digo em relação à Daslu é que eu não sei se o dinheiro não chegou ao bolso de muita gente rápido demais. A maior parte das coisas que vejo aqui como alto luxo não são de bom gosto. Falta baixar a bola.
Delfim - É uma extravagância. Não tem a menor importância em relação a São Paulo. Patifaria acontece em todos os lugares do mundo e nas melhores famílias. Isso não torna São Paulo nem melhor nem pior.
Danuza - É verdade, mas esse fenômeno se concentrou em São Paulo. No Rio, as pessoas são mais modestas.
Barbara - Mais peladonas.
Delfim - Mais pobres. O Rio tem menos renda. Principalmente depois de o Estado ir embora para Brasília. O problema do gosto, eu até admito. Há, sim um certo mau gosto. Mas isso é normal. O meu bom gosto pode ser o mau gosto dela -e eu não fico triste por isso.
Danuza - Eu insisto em que muita gente ficou rica em muito pouco tempo.
Delfim - Eles aprendem, viu? Eles aprendem.

CENTRO X PERIFERIA
Gilberto - São Paulo até bem pouco tempo atrás tinha escolas públicas com três turnos. A criança ficava em média apenas 3,5 horas na escola. O saneamento básico na periferia é péssimo, coleta de lixo péssima, salários baixos do funcionalismo. Foi um crescimento rápido, que aconteceu simultaneamente a erros muito graves. Mas há fatos animadores. Como o número de pessoas fazendo o ensino médio ou a faculdade e a mobilização das pessoas em Heliópolis, Paraisópolis, Jardim Ângela. Apesar de toda a violência, o número de assassinatos na cidade caiu 75%. Há um renascer paulistano.
Delfim - É muito fácil ser engenheiro de obras feitas e dizer que se devia ter feito isso ou aquilo, que o rio deveria ter sido protegido, que o metrô deveria ter sido construído antes. Deveríamos ter feito um monte de coisa e não fizemos. Agora, só tem um jeito: tem de pensar 25 anos à frente. O Brasil parece ter perdido essa capacidade. Daqui a 25 anos, vamos ter 250 milhões de habitantes. Teremos de dar emprego para 140 milhões de brasileiros entre 15 e 65 anos. Não vamos fazer isso com o sistema que temos hoje.

VIDA NOS BAIRROS
Danuza - A coisa do bairro é mais ou menos recente. De tempos em tempos, as pessoas mudam a maneira de viver. Depois de terem passado por essa coisa de apartamento, em que os vizinhos não se falam, não se cumprimentam, ninguém confraterniza, estão recuperando o sentimento de bairro.
Gilberto - Se tivesse de me condenar ao inferno era só me mandar morar em Alphaville, ou coisa próxima disso. Tenho horror a essa coisa condominial, murada, fechada. Quando você abandona a rua, a rua também abandona você. Quanto mais a gente anda na rua, melhor a rua fica. Você pode medir a democracia de uma cidade pela largura das calçadas. Quanto mais larga a calçada, mais democrática é a cidade. Buenos Aires, Nova York, Paris mostram isso. Pensar uma cidade é pensar o bairro.

CRACOLÂNDIA
Gilberto - A cracolândia é o lugar mais sintomático da crise da cidade. Lá construíram-se as mansões da elite paulista, lá está o parque da Luz. O governo do Estado tinha sede lá. Depois, virou símbolo da decadência. Mas, para o que era há dez anos, já mudou muito. Hoje tem a Sala São Paulo, a Pinacoteca, a Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa. Agora, 23 grandes empresas querem reformar a região. Ouso dizer que o lugar mais legal de São Paulo será a cracolândia. Vai demorar. Mas nossa Times Square será a cracolândia.
Barbara - Acho que a coisa ainda não mudou quase nada. Eu tenho amiga que é violinista da Osesp e ela é assaltada semana sim, semana não. Isso aí é muita propaganda.

PEDÁGIO URBANO
Gilberto - Algum dia terá de chegar um prefeito corajoso, que enfrentará a classe média e colocará um pedágio urbano. É inexorável. São Paulo vai parar se não houver uma medida radical com o trânsito. Infelizmente, não dá.
Delfim - Essa proposta tem um ar meio maroto. Por que você precisa ter um automóvel? Porque não tem os outros serviços. Se tivesse o transporte urbano coletivo adequado, você guardaria o automóvel e só o usaria nos finais de semana, como na Europa, nos EUA.
Gilberto - Londres fez o pedágio urbano apesar de ter um sistema de transporte subterrâneo muito bom. Paris está pensando em fazer isso.
Delfim - Esse é o tipo de medida elitista. Só circula pela cidade quem pode. A solução londrina é a solução através do mercado. Colocar porteiras na cidade, em que só passa quem paga, é dizer que passa só quem tem dinheiro. Esse problema não tem solução tão simples.
Barbara - Por exemplo, dada a opção, em Londres ou Nova York, a maioria das pessoas prefere ir de metrô. É mais barato, você é mais bem atendido. Agora, junte-se a todos esses problemas o fato de as pessoas quererem dirigir carro do Paris-Dacar. Todo mundo quer guiar carro com motor de cinco litros. A mulher vai buscar o filho na escola com carro feito para correr o Paris-Dacar.

QUEM É O PAULISTANO?
Gilberto - É o sujeito que sempre tem um projeto. Em São Paulo não se pergunta "Como você está?" Pergunta-se: "O que você está fazendo?" Eu amo no paulistano esse empreendedorismo. Você vale pelo que você empreende.
Danuza - O Gilberto tem razão. Uma vez, eu estava em uma SP Fashion Week e tinha uma fila para entrar. Enquanto esperava, chegaram umas quatro pessoas querendo falar comigo. "Olha, a gente queria apresentar umas idéias. Vamos nos telefonar?" É isso aí: projeto. É exatamente o oposto do carioca. O carioca não tem projeto nenhum. Porque não precisa ter. Está tudo lá, para que ter projeto? Não precisa. A vida está boa sem projeto.
Barbara - O paulistano está totalmente ansioso. Aliás, tenho um plano de despejar 1 milhão de comprimidos [ansiolíticos] Frontal na represa Billings. Aí teremos ao menos oito horas de tranqüilidade.
Delfim - Paulistano é o que acredita que o trabalho pode realizá-lo; ele crê no trabalho.

DAQUI A 50 ANOS
Delfim - Estamos melhorando sempre. Nada impedirá São Paulo de melhorar.
Barbara - Eu verei de dentro do meu jazigo, se Deus ajudar.
Danuza - Tenho até medo de pensar.
Gilberto - Será melhor porque as pessoas serão mais bem educadas. As pessoas falarão da vida de hoje nos seguintes termos: "Como é que aquela gente tolerava a vida que levava?"

Veja o vídeo do debate

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