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LETRAS JURÍDICAS
Direito como linguagem
WALTER CENEVIVA
Colunista da Folha
Paulo Coelho, escrevendo na
primeira "Revista da Folha"
deste ano, inclui entre seus "Decretos para 2.000" o seguinte:
"Todo ser humano precisa conhecer mais linguagens: a linguagem da sociedade e a linguagem dos sinais. Uma serve
para a comunicação com os outros. A outra serve para entender as mensagens de Deus".
Volto ao "decreto" de Paulo
Coelho porque as pessoas estranhas às profissões jurídicas consideram, em regra, que a linguagem dos trabalhadores dessa
área é difícil de entender.
Não se comunica com a sociedade e, com certeza, tem pouco
a ver com a compreensão da
mensagem divina.
A crítica pode ser estendida a
outros setores, como medicina e
engenharia, para não falar na
heráldica ou na informática, em
dois extremos temporais, com
complicações expositivas que o
vulgo não consegue decifrar.
A diferença entre o jargão de
outras profissões e o dos juristas
está em que, no direito, o uso de
terminologia hermética sacrifica sua compreensão pelo homem comum desejoso de Justiça. Estou tratando dos bons
profissionais que recorrem ao
vocabulário técnico para ser
precisos e não dos tolos, enfatuados, sempre prontos a usar
expressões fora de época a fim
de que pareçam eruditos ou originais.
Vamos ao outro lado da moeda. Se uma pessoa provida de
conhecimentos não superiores
aos do segundo grau, com boa
capacidade de raciocínio, se dedicar à leitura do Código Civil
brasileiro, compreenderá quase
tudo do que ali está contido.
O Código Civil é a prova provada do tratamento das coisas
mais sérias do direito, com clareza, sem rebuscamentos de linguagem e sem o uso do palavrório pedante, sob cujos arabescos
verbais se esconde, às vezes, o temor de ver a incompetência revelada.
O questionamento dos meandros da exposição jurídica tem
levado a discutir se o direito,
nas leis e nas decisões judiciais,
usa a linguagem como instrumento para realizar seus fins ou
se terminou transformado na
própria linguagem. Isso acontece quando se perdem de vista as
finalidades essenciais da aplicação da lei, com sacrifício da
consciência social na busca do
equilíbrio nas relações humanas. Em palestra feita na Universidade de Cambridge sobre
causas do interesse dos filósofos
pela qualidade da exposição,
Iam Hacking disse que hoje a
linguagem nem é mais a interface entre o conhecimento e o
conhecido, mas constitui o próprio conhecimento do ser humano atual.
Transpondo sua anotação para a ciência jurídica, teremos
que dar à linguagem das leis, da
doutrina e das decisões da magistratura um significado autônomo, distinto do objetivo de
realizar o justo e defender a verdade. Scott Turrow, advogado e
escritor norte-americano, anotou em seu livro "Danos pessoais" ("Personal injuris", Farrar, Straus, Giroux, 403 páginas): "A verdade da lei nunca se
ajusta estritamente à prova
produzida. Ela também depende do que os advogados chamam de "deduções" e daquilo
que espíritos menos restritivos
chamariam de imaginação".
Problema sério está na distância entre o direito sonhado para
o bem de todos e sua efetiva realização para cada pessoa. Nas
batalhas judiciais, a distinção
entre verdade e imaginação
tem sombras, sobretudo num
país em que a clareza, a lógica e
o cuidado técnico não caracterizam a elaboração da lei. A distância torna preocupante o direito-linguagem, desprovido de
repercussão palpável na coordenação das relações interpessoais, desfazendo esperanças.
Estimula descrenças.
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