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CRIME ORGANIZADO
No Complexo do Turano, trabalho do tráfico conta com 20 pessoas, das quais sete têm menos de 18 anos
Didico, 12, é um dos "braços" da boca-de-fumo
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Enquanto embala parte dos dez
quilos de maconha recém-chegados a uma das cinco bocas-de-fumo do Complexo do Turano, no
Rio Comprido (zona norte do
Rio), o menino de 12 anos, chamado nos becos do lugar de Didico e entorpecido pelo uso de "loló" (droga à base de clorofórmio),
canta um funk: "Não tem vergonha. Só quem fuma maconha. Tá
ligado, maconheiro! Vou dizer no
sapatinho: Maconheiro de verdade só fuma a do boldinho". É madrugada alta de quarta, dia 22.
A "boldinho" citada por Didico
é a maconha vendida no Turano.
Uma droga de efeitos mais fortes,
segundo traficantes e usuários.
Há, inclusive, uma página na internet em que os usuários exaltam
as "qualidades" da droga.
Em resposta ao funk declamado
por Didico, que cospe no chão o
tempo todo, um outro garoto,
perto dos 17 anos e não menos
drogado, emenda: "Pá-Pum. Tipo
Colômbia. Pá-Pum. Tipo Colômbia. Tipo, tipo, tipo Colômbia."
A cadência do proibidão (funk
de apologia ao crime) dita o ritmo
dos movimentos da "endolação"
(preparo) da droga, colocada em
pequenos sacos plásticos vermelhos -afinal, o Turano é uma das
áreas do Comando Vermelho, a
facção mais antiga do Rio, criada
a partir da união de presos políticos e criminosos comuns, no extinto presídio da Ilha Grande.
Outros sete rapazes ajudam Didico a embalar a droga. Todos estão alucinados pelo uso do loló e,
no meio da escadaria de acesso à
parte alta do Turano, ficam em
círculo em volta do papelão onde
a maconha está picotada. Autodenominados "braços", eles são observados pelo "dono do morro",
um homem de 35 anos -cinco
deles preso. Ele é traficante há
mais de dez anos e quer acessar a
internet um dia. "Não nasci com
um fuzil no cordão umbilical."
Quando soube que a maconha
de sua boca-de-fumo é famosa na
internet, o chefe do tráfico no Turano sorriu. Foi a única vez em
que isso ocorreu durante as quase
sete horas em que a reportagem
esteve no morro, guardado por
jovens com fuzis e pistolas, cuja
função é ficar na "contenção"
(impedir a entrada de policiais e
de criminosos de outras facções).
Ao mesmo tempo em que os
meninos embalam a maconha,
outro homem, o subgerente do
tráfico no Turano, é agarrado por
uma moça com roupas insinuantes -sandália alta, calça jeans
apertada e blusinha curta. "Só love", diz ele. Entre um beijo e um
agarrão no subgerente, a moça, ao
lado de duas amigas, dá tragadas
fortes num cigarro de maconha.
Enquanto o subgerente namora, a noite segue agitada no Turano. O dono do morro tem um
problema sério a resolver: sem
sua autorização, cinco meninos
do tráfico local roubaram, à tarde,
um carro. Nervoso, ele quer saber
quem são os autores do roubo.
O sonho de consumo dos jovens
das bocas-de-fumo é o Toyota
Corolla -"um carrão nervosão,
grandão, potente", justificam os
meninos. Eles roubam o carro,
dão voltas nas favelas e, depois de
algum tempo, os abandonam, assim como fazem com motocicletas, muito usadas para impressionar as meninas dos morros nos
bailes funks, sempre aos sábados.
Depois de delatado por um dos
meninos que usavam loló, o mais
velho do grupo de jovens ladrões
é chamado. "Quem deu ordem
para vocês roubarem o carro lá
embaixo hoje?", questiona o traficante. O jovem, armado com uma
pistola na cintura, gagueja e responde: "Foi o senhor!"
"Eu não autorizei nada", diz,
exaltado, o líder. "Sei bem porque
você está roubando lá na pista [fora do morro], é porque você está
usando muita droga das cargas
[carregamentos de droga que, em
média, têm cem papelotes ou
trouxinhas] que deixei com você.
Vou te suspender da boca agora",
continua o traficante, pai de um
menino que vive bem longe do
Turano e do tráfico. Ele diz que
permite o uso de drogas entre os
jovens que trabalham na sua boca-de-fumo "para mantê-los por
perto e para que eles não se aliem
com traficantes de outras facções". "Tenho de mantê-los por
perto", alega o traficante, usuário
da mesma maconha que vende.
Enquanto "desenrola" (resolve)
a suspensão do seu "soldado", o
traficante é saudado pelos moradores do Turano que voltam do
trabalho. Alguns, como um senhor que subia esbaforido a escadaria do morro, dão o alerta de
que dois carros da PM estão em
uma rua na base do muro: "Eles
estão em quatro, divididos em
dois carros. É bom ficar esperto."
"Viu só, se os moradores não
gostassem da gente, eles não avisariam que a polícia está perto.
Ninguém quer violência aqui", fala à reportagem o "linha de frente" do morro, que usa tênis Nike
"doze molas", grossas correntes
de ouro no pescoço. O líder tem
vários mandados de prisão por
tráfico e formação de quadrilha
expedidos contra ele - o que o
obriga a ficar permanentemente
na "micronação" que é o morro.
"E eu posso dizer uma coisa pra
você: neste ano, político não sobe
o Turano para fazer campanha,
para mentir para o povo. Se quiser subir, vai ter de deixar um malote [dinheiro] na boca. Eles vêm
aqui, fazem promessas e nunca
voltam para cumprir. Gostaria
que isso [não autorizar a entrada
de candidatos] fosse geral em todas os morros do Comando [Vermelho]", diz o traficante, também
autor de alguns homicídios.
Questionado sobre quantas mortes causou, ele, que abandonou a
escola na 7ª série, respondeu "algumas", sem dar detalhes.
A essa altura, Didico está feliz,
"comeu um lanche três carnes",
do Bob's, levado por um motorista que serve à boca-de-fumo e que
também ofereceu, em uma nota
de R$ 1,00, um papelote de cocaína, de R$ 7,00, para que o garoto
cheirasse com ele.
Tudo ocorre enquanto o chefe
do tráfico conta maços de dinheiro -as bocas do Turano faturam,
em média, R$ 1.000 por dia, com o
trabalho de 20 pessoas -sendo
sete com menos de 18 anos. "Mas
a gente tem de pagar o arrego
[propina] aos samangos [policiais] toda semana. Só aí são R$
2.300", afirma ele, que diz ser "temente a Deus" e que, "só às vezes", tem vergonha de vender
drogas.
(ANDRÉ CARAMANTE)
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