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São Paulo, sábado, 26 de abril de 2003

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CAOS NO RIO

Novo secretário de Segurança diz temer uma reação dos dependentes caso a polícia conseguisse acabar com traficantes

Usuário impede fim do tráfico, diz Garotinho

Marco Antonio Rezende/Folha Imagem
O ex-governador Anthony Garotinho, no Palácio Laranjeiras


MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

O novo secretário de Segurança do Rio, Anthony Garotinho, negou ontem que o governo faça ou venha a fazer acordos com o tráfico para restabelecer o clima de segurança no Estado. Mas admitiu que é impossível acabar com o tráfico enquanto houver um grande mercado consumidor.
Ao falar sobre a Rocinha, principal ponto-de-venda de drogas na cidade e que vive uma paz que, suspeita-se, pode ser resultado de acordos com a polícia, ponderou: "Existem realidades que precisam ser compreendidas".
Ele fez o seguinte raciocínio: "Imagine se nós conseguíssemos, numa operação espetacular, fechar todas as bocas-de-fumo durante uma semana e não fosse vendido um papelote de cocaína ou um grama de maconha. O que aconteceria com 700 mil pessoas [cálculo que faz de moradores do Rio que usam drogas" depois de três dias sem usar droga, em crise de abstinência? Um pânico igual ao dos tiroteios a que nós assistimos todos os dias na televisão".
Garotinho assume na segunda. Em entrevista ontem de manhã, no Palácio Laranjeiras, residência oficial da governadora Rosinha Matheus (PSB), afirmou que sua mulher está superando as crises que baixaram a sua popularidade.
Em relação à União, disse que não tem como discordar do Plano Nacional de Segurança. "Parece que houve até uma certa inspiração no meu programa nacional."

Folha - O que predomina hoje no Rio é a violência de origem social, é a delinquência dos assaltos ou o crime organizado?
Anthony Garotinho -
Um pouco de cada uma dessas. A geografia do Rio faz com que o contraste entre a pobreza e a riqueza esteja muito visível. Com a perda da capital, houve um esvaziamento muito grande e só agora começa a se recuperar, com o petróleo. Tem muito de violência no Rio provocada pela falta de perspectiva. Mas não podemos negar que o Rio também tem historicamente muito de crime organizado.

Folha - Uma das características do crime organizado é seu enraizamento nas instituições públicas. No Rio, o crime chegou a esse grau de organização e de infiltração?
Garotinho -
Creio que não. Pode haver um ou outro caso. O mais forte é a corrupção policial.

Folha - Como o senhor pretende enfrentar essa situação?
Garotinho -
Para cada tipo de crime você tem de ter uma resposta. Você consegue inibir a ação dos delinquentes com a polícia na rua. Consegue diminuir a violência da falta de esperança com programas sociais e programas preventivos. E você combate o crime organizado com polícia especializada.

Folha - O senhor tem metas?
Garotinho -
Eu quero colocar os níveis de criminalidade do Rio em patamares compatíveis com a realidade brasileira. Eles hoje estão acima desses patamares.

Folha - O cidadão comum suspeita de algumas situações. Quando há paz no morro ou no presídio, ele acha que houve acerto com o tráfico. Quando há guerra, acha que a polícia está querendo achacar mais. Esse senso comum evidencia o descrédito nas autoridades?
Garotinho -
Essas afirmações contêm muitas verdades, mas também generalizações perigosas. É preciso haver paz no morro, mas essa paz não pode ser construída em cima de cumplicidade. É preciso fazer com que haja paz nos presídios, mas isso não pode acontecer em detrimento da lei. Ninguém pode ser torturado.

Folha - Como o senhor pretende agir em relação aos morros? A Rocinha, por exemplo. O próprio governo diz que é o maior entreposto de drogas, principal núcleo econômico do Comando Vermelho e, no entanto, é uma favela tranquila, raramente há conflito ou prisão.
Garotinho -
Não existe acordo do governo com nenhum tipo de crime e nem com nenhum tipo de organização. O governo está aí para proteger a sociedade. Mas existem realidades que precisam ser compreendidas.
Há estudos que mostram que 7% da população das regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo consome algum tipo de droga. Pegando o Rio, 7% seriam 700 mil pessoas. Imagine se nós conseguíssemos, numa operação espetacular, fechar todas as bocas-de-fumo durante uma semana e não fosse vendido um papelote de cocaína ou um grama de maconha. O que aconteceria com 700 mil pessoas depois de três dias sem usar droga, em crise de abstinência? Um pânico igual ao dos tiroteios que assistimos todos os dias na televisão. Aquilo que vocês têm mostrado na Folha: pai matando o filho, filho roubando e matando a mãe, filho declarando que ama mais a cocaína do que a própria família.
O momento requer da sociedade uma reflexão: nós precisamos desmontar a drogabrás nas duas pontas, na ponta de quem vende e na ponta de quem consome.

Folha - Esse seu raciocínio significa que se deve tolerar a venda de drogas? Não é melhor, então, legalizá-las?
Garotinho -
Não, não. Eu estou chamando a sociedade à reflexão. O governo vai fazer a sua parte, mas seria mais fácil se todos fizessem a reflexão de que a droga que você permite que seu filho use financia a arma que o traficante compra e depois utiliza para sequestrar, assaltar e tirar a vida de outras pessoas. Então, se é para cortar o mal, vamos cortar pela raiz. É preciso que a sociedade também dê a sua parte. Insisto, temos de tentar tirar as pessoas do consumo de drogas. E temos de fazer um estudo para saber por que tanta gente está usando drogas. O mundo está vivendo uma crise de valores e esta crise leva a uma crise de futuro, de identidade, de angústia.

Folha - Rosinha assumiu e logo em seguida começou a viver várias crises. Como sair dessa situação?
Garotinho -
Hoje, o grande desafio da Rosinha, e por isso me propus a colocar a minha vida pessoal, política e familiar em jogo, porque não é fácil assumir esta posição, é enfrentar e vencer a questão da criminalidade no Rio. A Rosinha é muito firme e está amadurecendo muito com todos esses problemas. Eu tenho certeza de que, quando terminar a sua gestão, ela vai ter uma avaliação do Datafolha superior à minha.

Folha - O senhor entra com prazo estipulado para sair?
Garotinho -
Não. Eu vou ficar enquanto for necessário. Se necessário, até o final do governo.

Folha - Quais são as suas divergências com o Planalto?
Garotinho -
As convergências são maiores do que as divergências, porque a maioria das propostas colocadas no Plano Nacional de Segurança eu já propunha antes. Parece que houve até uma certa inspiração no meu programa nacional. Foi o que disse para o ministro Márcio Thomaz Bastos: dizer que o Rio está contra o Sistema Único de Segurança é uma inverdade porque seria uma contradição com tudo o que nós pregamos o tempo inteiro. Muitas propostas do plano são as nossas.
O que devemos separar é colaboração, integração, de intervenção direta. Ou seja, quem tem de processar as ações do Estado é o Estado, que tem legitimidade. Nós vivemos num Estado democrático e ele deve ser respeitado.

Folha - O senhor continua candidato a presidente em 2006?
Garotinho -
Eu ainda não tenho uma definição sobre este assunto. Acabo de completar 43 anos. Então, eu tenho um grande aliado a meu favor, o tempo. Neste momento, eu só penso 24 horas por dia numa coisa, a Secretaria de Segurança Pública, que eu assumo na segunda-feira.

Folha - Qual será seu primeiro ato?
Garotinho -
Mandar um recado que tem várias direções: não vai haver diferença para ninguém. O recado é para todo mundo. Não me venham com privilégios. Para os que acham que bandido tem de ser punido porque é bandido e que eu que uso farda posso agir errado. Não pode. O recado vai também para os que acham que a gente vai fazer uma polícia patrimonialista, uma polícia para os ricos. Não vamos fazer uma polícia nem para os ricos nem para os pobres. Faremos para a sociedade.


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