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CAOS NO RIO
Novo secretário de Segurança diz temer uma reação dos dependentes caso a polícia conseguisse acabar com traficantes
Usuário impede fim do tráfico, diz Garotinho
Marco Antonio Rezende/Folha Imagem
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O ex-governador Anthony Garotinho, no Palácio Laranjeiras |
MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO
O novo secretário de Segurança
do Rio, Anthony Garotinho, negou ontem que o governo faça ou
venha a fazer acordos com o tráfico para restabelecer o clima de segurança no Estado. Mas admitiu
que é impossível acabar com o
tráfico enquanto houver um
grande mercado consumidor.
Ao falar sobre a Rocinha, principal ponto-de-venda de drogas
na cidade e que vive uma paz que,
suspeita-se, pode ser resultado de
acordos com a polícia, ponderou:
"Existem realidades que precisam
ser compreendidas".
Ele fez o seguinte raciocínio:
"Imagine se nós conseguíssemos,
numa operação espetacular, fechar todas as bocas-de-fumo durante uma semana e não fosse
vendido um papelote de cocaína
ou um grama de maconha. O que
aconteceria com 700 mil pessoas
[cálculo que faz de moradores do
Rio que usam drogas" depois de
três dias sem usar droga, em crise
de abstinência? Um pânico igual
ao dos tiroteios a que nós assistimos todos os dias na televisão".
Garotinho assume na segunda.
Em entrevista ontem de manhã,
no Palácio Laranjeiras, residência
oficial da governadora Rosinha
Matheus (PSB), afirmou que sua
mulher está superando as crises
que baixaram a sua popularidade.
Em relação à União, disse que
não tem como discordar do Plano
Nacional de Segurança. "Parece
que houve até uma certa inspiração no meu programa nacional."
Folha - O que predomina hoje no
Rio é a violência de origem social, é
a delinquência dos assaltos ou o
crime organizado?
Anthony Garotinho - Um pouco
de cada uma dessas. A geografia
do Rio faz com que o contraste
entre a pobreza e a riqueza esteja
muito visível. Com a perda da capital, houve um esvaziamento
muito grande e só agora começa a
se recuperar, com o petróleo. Tem
muito de violência no Rio provocada pela falta de perspectiva.
Mas não podemos negar que o
Rio também tem historicamente
muito de crime organizado.
Folha - Uma das características
do crime organizado é seu enraizamento nas instituições públicas.
No Rio, o crime chegou a esse grau
de organização e de infiltração?
Garotinho - Creio que não. Pode
haver um ou outro caso. O mais
forte é a corrupção policial.
Folha - Como o senhor pretende
enfrentar essa situação?
Garotinho - Para cada tipo de crime você tem de ter uma resposta.
Você consegue inibir a ação dos
delinquentes com a polícia na rua.
Consegue diminuir a violência da
falta de esperança com programas sociais e programas preventivos. E você combate o crime organizado com polícia especializada.
Folha - O senhor tem metas?
Garotinho - Eu quero colocar os
níveis de criminalidade do Rio em
patamares compatíveis com a
realidade brasileira. Eles hoje estão acima desses patamares.
Folha - O cidadão comum suspeita de algumas situações. Quando
há paz no morro ou no presídio, ele
acha que houve acerto com o tráfico. Quando há guerra, acha que a
polícia está querendo achacar
mais. Esse senso comum evidencia
o descrédito nas autoridades?
Garotinho - Essas afirmações
contêm muitas verdades, mas
também generalizações perigosas. É preciso haver paz no morro,
mas essa paz não pode ser construída em cima de cumplicidade.
É preciso fazer com que haja paz
nos presídios, mas isso não pode
acontecer em detrimento da lei.
Ninguém pode ser torturado.
Folha - Como o senhor pretende
agir em relação aos morros? A Rocinha, por exemplo. O próprio governo diz que é o maior entreposto de
drogas, principal núcleo econômico do Comando Vermelho e, no entanto, é uma favela tranquila, raramente há conflito ou prisão.
Garotinho - Não existe acordo
do governo com nenhum tipo de
crime e nem com nenhum tipo de
organização. O governo está aí
para proteger a sociedade. Mas
existem realidades que precisam
ser compreendidas.
Há estudos que mostram que
7% da população das regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo
consome algum tipo de droga. Pegando o Rio, 7% seriam 700 mil
pessoas. Imagine se nós conseguíssemos, numa operação espetacular, fechar todas as bocas-de-fumo durante uma semana e não
fosse vendido um papelote de cocaína ou um grama de maconha.
O que aconteceria com 700 mil
pessoas depois de três dias sem
usar droga, em crise de abstinência? Um pânico igual ao dos tiroteios que assistimos todos os dias
na televisão. Aquilo que vocês
têm mostrado na Folha: pai matando o filho, filho roubando e
matando a mãe, filho declarando
que ama mais a cocaína do que a
própria família.
O momento requer da sociedade uma reflexão: nós precisamos
desmontar a drogabrás nas duas
pontas, na ponta de quem vende e
na ponta de quem consome.
Folha - Esse seu raciocínio significa que se deve tolerar a venda de
drogas? Não é melhor, então, legalizá-las?
Garotinho - Não, não. Eu estou
chamando a sociedade à reflexão.
O governo vai fazer a sua parte,
mas seria mais fácil se todos fizessem a reflexão de que a droga que
você permite que seu filho use financia a arma que o traficante
compra e depois utiliza para sequestrar, assaltar e tirar a vida de
outras pessoas. Então, se é para
cortar o mal, vamos cortar pela
raiz. É preciso que a sociedade
também dê a sua parte. Insisto, temos de tentar tirar as pessoas do
consumo de drogas. E temos de
fazer um estudo para saber por
que tanta gente está usando drogas. O mundo está vivendo uma
crise de valores e esta crise leva a
uma crise de futuro, de identidade, de angústia.
Folha - Rosinha assumiu e logo
em seguida começou a viver várias
crises. Como sair dessa situação?
Garotinho - Hoje, o grande desafio da Rosinha, e por isso me propus a colocar a minha vida pessoal, política e familiar em jogo,
porque não é fácil assumir esta
posição, é enfrentar e vencer a
questão da criminalidade no Rio.
A Rosinha é muito firme e está
amadurecendo muito com todos
esses problemas. Eu tenho certeza
de que, quando terminar a sua
gestão, ela vai ter uma avaliação
do Datafolha superior à minha.
Folha - O senhor entra com prazo
estipulado para sair?
Garotinho - Não. Eu vou ficar enquanto for necessário. Se necessário, até o final do governo.
Folha - Quais são as suas divergências com o Planalto?
Garotinho - As convergências
são maiores do que as divergências, porque a maioria das propostas colocadas no Plano Nacional de Segurança eu já propunha
antes. Parece que houve até uma
certa inspiração no meu programa nacional. Foi o que disse para
o ministro Márcio Thomaz Bastos: dizer que o Rio está contra o
Sistema Único de Segurança é
uma inverdade porque seria uma
contradição com tudo o que nós
pregamos o tempo inteiro. Muitas
propostas do plano são as nossas.
O que devemos separar é colaboração, integração, de intervenção direta. Ou seja, quem tem de
processar as ações do Estado é o
Estado, que tem legitimidade.
Nós vivemos num Estado democrático e ele deve ser respeitado.
Folha - O senhor continua candidato a presidente em 2006?
Garotinho - Eu ainda não tenho
uma definição sobre este assunto.
Acabo de completar 43 anos. Então, eu tenho um grande aliado a
meu favor, o tempo. Neste momento, eu só penso 24 horas por
dia numa coisa, a Secretaria de Segurança Pública, que eu assumo
na segunda-feira.
Folha - Qual será seu primeiro ato?
Garotinho - Mandar um recado
que tem várias direções: não vai
haver diferença para ninguém. O
recado é para todo mundo. Não
me venham com privilégios. Para
os que acham que bandido tem de
ser punido porque é bandido e
que eu que uso farda posso agir
errado. Não pode. O recado vai
também para os que acham que a
gente vai fazer uma polícia patrimonialista, uma polícia para os ricos. Não vamos fazer uma polícia
nem para os ricos nem para os pobres. Faremos para a sociedade.
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