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MARIA INÊS DOLCI
A culpa é do salmão
Na edição de 5 de abril desta Folha, uma reportagem
alertava para a suspeita de que o
consumo de salmão importado
estivesse ligado a um surto de difilobotríase, doença transmitida
pelo parasita "Diphyllobothrium
spp". Leitores mais atentos e curiosos talvez tenham percebido
que o alerta partiu de um laboratório particular.
Reforçou-se a dúvida: o sistema
brasileiro de vigilância sanitária
tem pessoal especializado em
quantidade suficiente para fiscalizar, denunciar e alertar a população quando surgem problemas
como o do salmão?
Temos uma nova resolução 216
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que trata
de boas práticas de manipulação
de alimentos, em vigor desde o último dia 15 de março. Mas será
que ela será aplicada com todo o
rigor que o consumidor brasileiro
merece?
Não sabemos, pois a própria
Anvisa admite que a importante
resolução depende da capacidade
de fiscalização dos serviços municipais e estaduais. Isso em um período de grave situação financeira
enfrentada por Estados e municípios. Foi por falta de pagamento,
por exemplo, que o telefone 156
que recebe todas as ligações para
os serviços prestados pela Prefeitura Municipal de São Paulo, inclusive para a Coordenadoria de
Vigilância Sanitária (Covisa), ficou mudo entre 14 e 16 de abril último.
Os problemas saltam dos pratos
e das panelas. Os limites microbiológicos e de aditivos para os
alimentos ainda são muito maleáveis em comparação à legislação de outros países. Problemas
de contaminação e, principalmente, na temperatura de conservação dos alimentos são os mais
comuns detectados nos testes realizados pela Pro Teste.
Exemplos? O regulamento que
trata dos padrões microbiológicos
dos alimentos no Brasil não contempla o exame de alguns microorganismos importantes. A investigação da presença de bacilos,
estafilococos, clostrídios (que podem causar tétano, botulismo, intoxicação alimentar) e de listéria
(bactéria que pode causar infecções de origem alimentar) só é
prevista para alguns grupos de
alimentos.
Não se critique o consumidor
por denunciar pouco. Faltam canais eficientes e ágeis para formalizar as queixas. E há dificuldade
para acompanhar o andamento
das denúncias. Alguém ouviu falar de consumidores intoxicados e
alimentos contaminados? Alguém foi informado, por órgãos
públicos, do risco que corria?
Se você faz uma denúncia, não
há como assegurar que realmente
foram tomadas providências. Ou
seja: não sabe se poderá voltar ao
local denunciado sem arriscar sua
saúde. Devido à estrutura frágil
dos órgãos da vigilância sanitária, compromete-se o direito à informação clara e precisa. E, conseqüentemente, à proteção à vida e
à segurança, assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Tudo isso faz desandar a confiança que deveríamos ter ao adquirir alimentos prontos ou não.
E nos leva a uma última pergunta: e se o laboratório não tivesse sido tão responsável e não notificasse rapidamente a suspeita sobre o salmão consumido em centenas de restaurantes do Brasil,
quando saberíamos dessa ameaça à saúde?
E-mail - midolci@yahoo.com.br
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