São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 2005

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MARIA INÊS DOLCI

A culpa é do salmão

Na edição de 5 de abril desta Folha, uma reportagem alertava para a suspeita de que o consumo de salmão importado estivesse ligado a um surto de difilobotríase, doença transmitida pelo parasita "Diphyllobothrium spp". Leitores mais atentos e curiosos talvez tenham percebido que o alerta partiu de um laboratório particular.
Reforçou-se a dúvida: o sistema brasileiro de vigilância sanitária tem pessoal especializado em quantidade suficiente para fiscalizar, denunciar e alertar a população quando surgem problemas como o do salmão?
Temos uma nova resolução 216 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que trata de boas práticas de manipulação de alimentos, em vigor desde o último dia 15 de março. Mas será que ela será aplicada com todo o rigor que o consumidor brasileiro merece?
Não sabemos, pois a própria Anvisa admite que a importante resolução depende da capacidade de fiscalização dos serviços municipais e estaduais. Isso em um período de grave situação financeira enfrentada por Estados e municípios. Foi por falta de pagamento, por exemplo, que o telefone 156 que recebe todas as ligações para os serviços prestados pela Prefeitura Municipal de São Paulo, inclusive para a Coordenadoria de Vigilância Sanitária (Covisa), ficou mudo entre 14 e 16 de abril último.
Os problemas saltam dos pratos e das panelas. Os limites microbiológicos e de aditivos para os alimentos ainda são muito maleáveis em comparação à legislação de outros países. Problemas de contaminação e, principalmente, na temperatura de conservação dos alimentos são os mais comuns detectados nos testes realizados pela Pro Teste.
Exemplos? O regulamento que trata dos padrões microbiológicos dos alimentos no Brasil não contempla o exame de alguns microorganismos importantes. A investigação da presença de bacilos, estafilococos, clostrídios (que podem causar tétano, botulismo, intoxicação alimentar) e de listéria (bactéria que pode causar infecções de origem alimentar) só é prevista para alguns grupos de alimentos.
Não se critique o consumidor por denunciar pouco. Faltam canais eficientes e ágeis para formalizar as queixas. E há dificuldade para acompanhar o andamento das denúncias. Alguém ouviu falar de consumidores intoxicados e alimentos contaminados? Alguém foi informado, por órgãos públicos, do risco que corria?
Se você faz uma denúncia, não há como assegurar que realmente foram tomadas providências. Ou seja: não sabe se poderá voltar ao local denunciado sem arriscar sua saúde. Devido à estrutura frágil dos órgãos da vigilância sanitária, compromete-se o direito à informação clara e precisa. E, conseqüentemente, à proteção à vida e à segurança, assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Tudo isso faz desandar a confiança que deveríamos ter ao adquirir alimentos prontos ou não. E nos leva a uma última pergunta: e se o laboratório não tivesse sido tão responsável e não notificasse rapidamente a suspeita sobre o salmão consumido em centenas de restaurantes do Brasil, quando saberíamos dessa ameaça à saúde?


E-mail - midolci@yahoo.com.br

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