São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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GREVE DE ESTUDANTES

Professores e alunos afirmam que FFLCH enfrenta problemas por rejeitar modelo adotado pela universidade

Debate critica mercantilização na USP

DA REPORTAGEM LOCAL

"A FFLCH tem resistido ao modelo de USP que vem sendo implantado há 10, 11 anos, o que leva à animosidade com a reitoria e à crise que enfrentamos. Estamos pagando o preço por nos considerarmos dignos de uma universidade pública de qualidade e, como isso nada vale na luta política do poder da burocracia universitária, estamos aqui."
As afirmações da professora de filosofia Marilena Chaui resumem o que docentes, alunos e a direção da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) apontam como principal razão para a situação em que a unidade se encontra, e que motiva uma greve dos estudantes que completa hoje 57 dias. Trata-se de uma questão ideológica.
Marilena foi uma das participantes do debate "Crise na USP", promovido anteontem pela Folha, com mediação do jornalista Gilberto Dimenstein. Os outros integrantes da mesa de discussões foram o diretor da FFLCH, Francis Henrik Aubert, e os estudantes Gustavo Garcia, representando os alunos da unidade, e Fábio Vannuchi, do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da USP.
Apesar de ter sido insistentemente convidada a comparecer, a reitoria da USP informou que não o faria por falta de tempo, mesmo após a organização do evento ter se mostrado disposta a remarcar a data para atender à agenda da direção da universidade.
Muito aplaudida pelas cerca de cem pessoas da platéia, Marilena ressaltou que a FFLCH "disse não" a pelo menos quatro medidas que vêm sendo adotadas em quase toda a USP e que representam a sua "escolarização".
"Somos contra a terceirização e privatização dos cursos, colocadas em prática pela criação das fundações; a contratação de professores temporários, que ignora a natureza de um curso universitário que depende de pesquisa, planejamento e continuidade; a massificação do ensino, que aumenta o número de vagas e diminui o de professores, propondo que os cursos tenham a forma de uma conferência; e os cursos sequenciais de curta duração."
"Curta duração, só se for a curta inteligência da direção universitária", completou a professora, que integra um grupo de notáveis da FFLCH, responsável pelo acompanhamento das negociações com a reitoria para o fim da greve.
A dimensão política da crise na faculdade foi a tônica também da exposição de Vannuchi. Para o estudante, é preciso resgatar esse aspecto nas discussões e avaliações. "A instituição FFLCH está sendo totalmente desqualificada. Dizem que é um problema de administração da faculdade. É uma simplificação tamanha que a gente não pode ser ingênuo de aceitar."

Mais professores
A principal reivindicação dos cerca de 13 mil alunos da FFLCH é a contratação de 259 novos professores. "Somando aos 349 que já existem, chegaríamos a uma média de 21 estudantes por professor, o que ainda está bastante acima da média da USP, que é de 14 para 1", afirmou Garcia.
Segundo ele, o cumprimento dessa exigência representaria um gasto de cerca de 1% do orçamento da USP para este ano, que é de R$ 1,4 bilhão. Na avaliação dos alunos, o investimento no corpo docente é prioritário e factível. "Existe verba, existe dinheiro. O problema não é esse."
"Consideramos fundamental que sejam mantidos os parâmetros históricos de qualidade na graduação, na pós-graduação e na extensão; o que obviamente não pode ser feito com o número de professores que temos", disse.
Desde 1990, o total de docentes ativos da FFLCH vem diminuindo, principalmente em decorrência de aposentadorias. Passou de 442 para quase 350. Enquanto isso, no mesmo período, o número de alunos cresceu cerca de 30% por causa do aumento da oferta nos cursos noturnos (o que obedece a uma determinação legal) e da instituição do ciclo básico no curso de letras, o que, segundo Aubert, diminuiu a evasão.
Hoje a unidade tem 20% do total de alunos da USP e 7,2% do corpo docente da universidade.
"Eu dou aula para duas turmas de 150 alunos, com microfone. Eu me considero a Hebe Camargo, e não uma professora de filosofia. Isso significa que ninguém aproveita nada", disse Marilena.
Desde abril de 98, a FFLCH pediu, segundo Aubert, um total de 165 professores, mas o saldo, depois de contratações e afastamentos, é de pouco mais de 40.
Agora a comunidade acadêmica requisita 115 professores num primeiro momento e mais 40 por ano, nos próximos quatro ou cinco anos -o que corresponderia a cerca de 20% das contratações de toda a universidade. Mas a reitoria só ofereceu 26 novas vagas.
"Eu entendo que a reitoria vai ter de ceder porque vai perceber que sem a FFLCH não há USP que se sustente. Eu tenho a palavra do presidente da Comissão de Planejamento e Patrimônio de que a universidade poderia contratar 120 professores sem criar uma grande revolução orçamentária", sustentou Aubert no debate.

Onde mais?
Apesar de admitir os problemas, estudantes e professores defendem a FFLCH e a USP. "Onde mais teríamos a formação que buscamos?", questionou Garcia.
"Apesar de os alunos chegarem e não terem professor para dar aula neste ano, eles têm pelo menos a expectativa de que, com nosso movimento, ano que vem eles conseguirão ter esse professor que em nenhum outro lugar eles teriam", disse o estudante.
"É muito duro lidar com a miudeza da direção universitária, mas a gente gosta da USP e da FFLCH, então nós estamos lá, para sempre", sintetizou Marilena.



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